Um Olhar para o Consumo e a Floresta em Pé

“A Terra é mais do que apenas uma casa,
é um sistema vivo e nós fazemos parte dele”
James Lovelock

Consumidor: Segundo dicionário da língua portuguesa, a palavra consumidor (adj sm) significa: Que ou aquele que consome; aquele que compra produtos ou serviços para seu próprio gasto (ou de sua família); comprador, cliente, freguês.

Quando olhamos para uma sociedade de consumo falamos de uma era do capitalismo onde o crescimento econômico e a geração de lucro e riqueza encontram-se embasados no crescimento da atividade comercial. Nesta lógica estamos falando de consumir coisas, objetos como pasta de dente, roupas, carros… nunca algo vivo, com vida. 

Outro dia escutamos uma fala de que o consumo está em todo lugar. “Tudo à nossa volta é consumo, consumir é inerente ao ser humano… nós consumimos o ar que respiramos”. A etimologia da palavra “consumo” vem do latim consumere (esgotar) e é formada por com, mais suemere (apoderar-se, gastar, agarrar). Há outras definições também: usar até acabar. No entanto, se utilizarmos essa lógica, o ar acaba. Em uma lógica da vida o ar nunca acaba. Na inspiração, o ar que entra em nossos pulmões é carregado de oxigênio e ao expirarmos, eliminamos CO2 é essa eliminação dos seres vivos animados, animais e seres humanos, que permite que outros seres vivos, como as plantas, possam transformar o CO2 em oxigênio. Esse é o movimento complexo da vida, em uma lógica em que o consumo pode ganhar a qualidade de relação ou de transformação. 

Toda vez que estamos lidando com a vida estamos nos relacionando, e isso nos pede um outro olhar, uma lógica que não é cartesiana de causa e efeito, mas sim de complexidade e de artesania que convoca em nós, seres humanos, um [re]pensar o que consumimos a partir do olhar vivo para vida. Precisamos ser consumidores responsáveis, pensar no que estamos comprando. Não podemos considerar os bens mais importantes do que as pessoas e o consumo mais importante do que a atividade criadora. E, nem pensar em transformar um bem humano em bem material. A Amazônia, maior floresta do mundo, nos mostra claramente as riquezas e os ciclos da vida.

Na floresta tudo está interligado. Um elemento, um ser vivo possui relações de existência com outro para existir. “ … os brancos acham que o ambiente é um “recurso natural” como um almoxarifado que você vai e tira as coisas, tira as coisas, tira as coisas….]”*. Enquanto olharmos para a floresta como um recurso natural estaremos usando, tudo que ela [a floresta] nos oferece, para fins econômicos. As florestas, os rios, o mar, o tempo, o ser, não são recursos naturais, são seres, elementos, entidades vivas que geram vidas. E é somente com a floresta em pé que toda essa vida se entretece. 

  “[…] Pro pensamento do índio,[a floresta] é um lugar que você tem que pisar nele suavemente,
andar com cuidado nele, porque ele está cheio de outras presenças.”
(Ailton Krenak)

A vida não é um recurso! O ser humano não é um recurso!

Adorava ouvir Gilberto Dimenstein quando falava de capital humano [conhecimentos e habilidades adquiridos através dos investimentos em educação, incorporados à qualidade do trabalho**]. O ser humano por meio de suas habilidades e conhecimentos adquiridos fazendo vida. A tecnologia [ inteligência] artesanal e manual na construção do ser que se faz pelo seu fazer. Uma [re]evolução sobre si mesmo(a).

Nós, seres humanos enquanto consumidores, temos a escolha de saber de onde vem o que estamos comprando, quem está por trás deste fazer, de onde vem a matéria prima que origina o produto. Temos a escolha de comprar um objeto cheio de vida, que sustenta vidas. Um objeto que trás consigo uma história, uma tradição, a cultura de um povo. Um objeto que respeita o tempo do fazer, o tempo da matéria prima, o processo daquele ser humano que faz, pensa e cria, desde a extração da matéria prima até o produto final. Se não olharmos para esse processo de forma viva, estaremos apenas consumindo o que nos é dado e neste lugar não estaremos exercendo nosso poder de escolha enquanto cidadãos livres que somos. 

Como reconhecer um lugar de contato entre esses mundos, que têm tanta origem comum,
mas que se descolaram a ponto de termos hoje, num extremo, gente que precisa viver de um rio
e, no outro, gente que consome rios como recurso? A respeito dessa ideia de recurso
que se atribui a uma montanha, a um rio, a uma floresta, em que lugar podemos descobrir
um contato entre as nossas visões que nos tire desse estado
de não reconhecimento uns dos outros?

( Ailton Krenak)

É hora de pensarmos juntos. Não o que já foi, mas o que ainda nos resta. Temos florestas, rios, lagos, geleiras, espécies vivas… Sabemos que existem soluções viáveis para cuidar do planeta. Temos sabedoria para pensarmos em uma economia de permanência. “A sabedoria exige uma nova orientação da ciência e da tecnologia para o orgânico, o suave, o não-violento, o elegante e o belo.” (E. F. Schumacher). O futuro está em nossas mãos, hoje. Depende de nós, seres humanos, decidir, escolher o caminho certo e agir para cuidarmos da vida e sua evolução. Todos nós temos o poder de mudar e fazer mudanças. Então, o que estamos esperando?

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Em junho/2023, em parceria com o Programa de Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor da ESPM, iremos realizar uma imersão na Floresta Amazônica. Um dos lugares de maior relevância para o futuro da vida, detentor de alguns dos maiores saberes ancestrais nacionais.

“O Futuro Ancestral do Marketing (Re)Pensando o Consumo Sob uma Ótica Decolonial” propõe uma vivência de uma semana na Floresta Amazônica que combina estudo, observação, interação com a natureza e com a comunidade ribeirinha. É a partir das conversas, trocas, oficinas, banhos de rio e fazeres artesanais que somos capazes de repensar o marketing, o consumo e nosso papel como pessoas pesquisadoras no campo. Para saber mais acesse aqui >>> 

Quando: De 21 a 30 de junho de 2023

MANAUS: 21 e 22/junho
COMUNIDADE TUMBIRA: 23 a 30/junho
:: 7 diárias – Pousada do Garrido
:: Transporte em lancha fretada Manaus – Tumbira – Manaus.
:: Alimentação completa (3 refeições)
:: Passeios e Vivências na floresta
:: Rodas de conversa, oficinas do fazer manual, vivências artesanais.

VAGAS: mínimo 10 e máximo 20 pessoas

INSCRIÇÕES: até 14/Abril

Para saber mais acesse aqui >>> ou envie um e-mail para contato@revolucaoartesanal.com.br

Referências:
*Ideias para adiar o fim do mundo. Ailton Krenak.
**Expressões segundo Michaelis – Dicionário da Língua Portuguesa.
. O negócio é ser pequeno (Small is Beautiful) – E.F.Schumacher.

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Escrita artesanal por Ciça Costa com Bruno Andreoni

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!