Da produtividade à potencialidade: histórias de mãos que manifestam o mundo

Para começar: um minuto de contemplação para suas mãos. Isso mesmo, saia uns instantes desta tela e permita-se vê-las e senti-las: os dedos carregam anéis? os pulsos estão rodeados por alguma pulseira ou relógio? como estão as unhas? que texturas o dorso e a frente têm? que cores? que linhas desenham a pele? Se você parou um instante para entrar em contato com suas mãos, você acabou de sair da produtividade automática para tatear sua potencialidade.

Falamos de mãos por representarem simbolicamente o fazer artesanal, mas você pode fazer esse mesmo contato com outras partes do seu corpo que você recrute mais no seu dia a dia. Experimente entrar em contato com a estrutura que te permite criar. É nela que está o seu recurso mais precioso de manifestação no mundo. Pois é por meio dessa estrutura que nós, humanos, manipulamos a matéria e criamos as coisas no mundo.

O mundo que manifestamos é expressão do que criamos, seja automaticamente, seja refletidamente. A manifestação de que falamos é política. Ela é sintoma do sistema de que somos herdeiros e também é expressão daquilo que fazemos ao percebê-lo. Na 2a. edição da revista Mundo Manifesto, colhemos histórias de manifestantes de uma artesania e de um fazer que gera transformação desde dentro até as relações que cada uma e cada um tece. Acreditamos que falar e contar essas histórias, por eles mesmos, é um delicado ativismo que manifesta um mundo possível feito à mão.

Nesta edição, Mayra Aiello nos conta como a tecelagem se fia à sua experiência com a maternidade e a adoção, como recurso criativo, facilitador, elaborador e terapêutco; Bia Alcântara narra o sentido de seu viver e fazer com as plantas como artesã botânica multipotencial; Pedro de Aquino atualiza a história da humanidade através da forja e criação de ferramentas que são meio para outras tantas criações; Laura Corrêa desenha a vida através do registro artístico do que vive entre nós, com olhar que se demora sobre o que costuma passar despercebido a olhos distraídos; Luiz Lira grava sua história e manifesta diálogos antirracistas através de sua pintura, desenho e xilogravura; Deco Adjiman escrevinha que “reconhecer o chão é o primeiro passo, e todos os outros bifurcam-se disso” e segue à procura de terra e madeira para materializar outros mistérios poéticos; Janaína Carvalho esculpe encantos transformando madeiras e prata em jóias únicas que nos adornam de histórias da terra; Ricardo Corrêa nos convida a um dedo de prosa regado à sua cerveja arterural/artesanal; Françoise Otondo fecha a roda de histórias contando como rompeu com uma carreira estável para abraçar a arte dos jogos crafting para desenvolvimento humano.

Convidamos você a se inspirar com estas histórias de um mundo manifesto e também a nos contar como você manifesta o mundo em que vive hoje!

“Esse ativismo me convida hoje e me convidará amanhã, a ir mais além. Ele é regido pelas leis da vida, do que é vivo. Não é um ativismo-coisa que eu possa conhecer por inteiro, pois não se acaba e está em constante desenvolvimento. É infinito. É atividade. É invisível. Como a vida que vive em tudo, e se expressa em cada um de nós.”
(Ana Biglione, março 2018)

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Escrita Artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!