Cris Rosenbaum, curadora e conectora do Brasil artesanal contemporâneo

Espaço e objetos como espelhos do olhar

É visível o valor que Cristiane Rosenbaum confere à arte e aos artistas brasileiros. Antes de iniciar nossa conversa, seu primeiro pedido foi buscar algumas peças para mostrar na tela para nós quando fosse falar de um artesão ou designer brasileiro. Na breve espera, pudemos apreciar da sua janela na webconferência as paredes brancas harmoniosamente decoradas com peças de variados tamanhos, materiais, cores e texturas como objetos-portais de histórias de criações genuinamente brasileiras. Na sua fala, ela expressa o orgulho de valorizar o artista popular brasileiro: “Aqui a cadeira é brasileira, a mesa é brasileira, as almofadas são daqui… É um investimento mesmo, a gente faz coleção”.

A casa brasileira não expressa só a personalidade da anfitriã. Ela recebe quem chega com a humanidade que habita em cada objeto – daí a breve visita vira uma experiência de conexão. Bruno Andreoni, da Revolução Artesanal, conta como sua coleção de canecas de cerâmica transforma um simples café em um momento de acolhimento e respeito à singularidade – tanto dos artesãos que fizeram cada peça quanto de quem escolhe sua xícara única, pois cada uma tem um tamanho, uma cor, formato, aporta ou não alça para segurar. O afeto, as histórias e a estética presentes nos objetos de (sua) casa também contam de como Cris vai compondo suas conexões únicas dentro e fora do espaço do morar e habitar.

Arejando as conexões

Com o olhar estético apurado, ela se especializou em Moda e Estilismo, inclusive na renomada Saint Martins, de Londres. Somando sua perspectiva inovadora com uma veia comercial muito forte, ela empreendeu a marca de roupa infantil Santa Paciência por dez anos, onde começou a realizar encontros de fim de ano para reunir amigos num espaço comum de interação: “Eu fazia essas conexões. Como uma boa geminiana, isso é bem fácil para mim, juntar pessoas. E é uma delícia, pois às vezes dali saíam grandes histórias e amizades”. Em um desses encontros, chamou 10 profissionais diferentes, dedicadas a roupas, tricô, cerâmica, madeira, bijuteria, no escritório do Marcelo Rosenbaum, na Rua Cristiano Viana (em Pinheiros, São Paulo), e ali fez uma primeira feira. Na ocasião, ela se encantou com o fato de as pessoas gostarem de conversar com os artistas, ficarem por ali por horas perguntando detalhes do processo e produção artesanal: “uma experiência totalmente diferente de shopping ou loja de rua, pois não tem a figura do dono, nesses espaços não têm com quem falar”, conta. Ali ela havia criado um núcleo de encontro de pessoas interessadas e dedicadas ao design artesanal.

A Feira na Rosenbaum aconteceu no galpão do escritório na Cristiano Viana por cerca de dois anos e meio até o projeto crescer e ela decidir levá-la para um espaço maior, uma casa que passou a receber 50 artistas. Foi quando a feira decolou. Hoje, a feira já soma 10 anos de histórias dessa curadoria e conexões artesanais. 

Impacto local e inovação

Há também uma preocupação social na iniciativa, como o apoio a povos indígenas, seja com parte da arrecadação da feira revertida às comunidades, seja com compra dos artesanatos locais para revenda. Cris conta que ficou mais próxima dos Baniwas nos últimos dois anos, após encontro realizado com o Origens Brasil (rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia), e que também faz trabalhos com os Caiapós, comprando antecipadamente seus tecidos pintados à mão para enquadrar para a feira. “Esses trabalhos são todos na frente para nós”, ela explica sobre a forma de pagamento que privilegia as ações com comunidades e aldeias, realizando consignação apenas com artistas de São Paulo e de outros lugares do Brasil, que podem receber depois da venda na feira. “Se não tiver isso dentro da feira, não tenho essa paixão” – falando sobre ações de incentivo aos artesãos menos favorecidos – “se não tiver isso é porque estou cansada ou desisti. Tem que ter isso. Sempre na feira tiveram de cinco a oito pessoas que entraram sem pagar nada. […] Já trouxe um menino do Sul que é marceneiro […]. Daí ele faz dinheiro na feira, consegue vender, consegue sair numa Casa Vogue, é muito legal! Já vi muita gente crescer. Não é um trabalho qualquer. É um trabalho em conjunto. Eu dependo deles. A história da Feira é ter essa curadoria diferenciada. O barato da Feira é ser com gente que nunca ninguém viu, com gente que está nascendo. Se eu só chamo gente grande, que já tem nome, perde o foco”. Algumas feiras ficam marcadas pela participação de determinados artistas já conhecidos, outras pelo viés mais comercial. O trabalho de curadoria de Cris é um dos grandes diferenciais da Feira na Rosenbaum, como Bruno confirma dizendo que sabe que é nesse evento que vai encontrar artistas diferentes, algo novo, fora do óbvio e comum. 

A proposta inovadora da empresária está neste tecer conexões entre artistas locais, pequenos, de tantos lugares do Brasil em um único lugar que promove tanto trocas comerciais e de histórias quanto oferece visibilidade em nível nacional aos artistas. E ela vive isso em sua própria casa: “Minha casa é praticamente a feira”, conta mostrando peças de sua coleção e lembrando da história de cada artista, de cada material.

Design e artesanato contemporâneo

O feito à mão genuinamente brasileiro traz a diversidade de tons e estilos, a elegância da imperfeição, a beleza do natural e respeito aos materiais e ao meio que cada produto irá habitar. 

Cris destacou diversos artistas e peças que representam o design contemporâneo brasileiro, como o trabalho: dos marceneiros de Recife (PE), que usam pedaços de madeira descartados, evitando extração e produzindo peças exclusivas; da ceramista Flávia Del Pra, de quem ela mostrou uma linda bandeja feita com azulejos; dos irmãos Susana Bastos e Marcelo Alvarenga, da Alva Design, de Minas Gerais, que desenvolveram uma coleção de peças de decoração em pedra sabão, típica de Belo Horizonte; da jornalista Zizi Carderari, dedicada às técnicas têxteis e que realiza um trabalho de impacto social importante junto com a equipe de tecelãs que organizou; da ceramista Rosalva Siqueira, de quem ela exibe peças inspiradas em frutas e legumes tropicais.

Outra característica ressaltada pela curadora sobre o artesanato contemporâneo brasileiro é o trabalho em parceria entre designer e artesãos locais: “é uma intervenção junto com o artista, criado em parceira, nunca reproduzindo a história do branco dominador. É um trabalho realizado com muito cuidado e respeito junto com o artesão”, explica.

A cena artesanal na pandemia

Diferentemente de outros nichos, o mercado artesanal aqueceu durante a pandemia. Muitos artesãos se mobilizaram a se encontrar virtualmente, trocar modos de fazer e se apoiar para seguir sustentáveis durante esse período. A pandemia parece que foi catalisador para o fortalecimento das redes de artesãos. Cris conta que os artistas com quem ela tem contato, especialmente os de São Paulo, cresceram muito. Ela acredita que o fato de as pessoas terem ficado mais em casa as levaram a consumir mais para esse espaço. 

Ao mesmo tempo que muitas iniciativas deixaram de aparecer, mais ligadas ao fomento e gestão do conhecimento da cultura artesanal, como editais de pesquisa, cadastro e catalogação, os artesãos não pararam de nutrir a cultura com seu fazer manual. O público brasileiro, por sua vez, também tem buscado e valorizado mais produtos nacionais.

Ainda não dá para prever todo o impacto que a pandemia trouxe para a cena artesanal, mas Cris já tem perspectivas do que almeja com a Feira: “Daqui 6 anos quero levar a Feira para o interior […] fazer workshops, uma cozinha comunitária com as louças, propor trabalhos manuais, plantar…”. Aprender com a terra, viver com a terra, numa escala menor parecem compor a cena do futuro do artesanato e também do viver na contemporaneidade.

Imagens acervo de Feira na Rosenbaum

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Esta entrevista com a Cristiane Rosenbaum compõe nossa série “Por Artesanias Brasileiras”, em que convidamos e escutamos histórias de pessoas que fomentam, trabalham e valorizam os campos das artes manuais no Brasil.

Escrita artesanal por Carolina Messias, com Cris Rosenbaum, Ciça Costa e Bruno Andreoni

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!