Verônica Machado, empreendedora das manualidades e artesanias paulistanas

“O artesanato combina com a poesia.
Acho que toda peça de artesanato deveria ter um verso.”
(Verônica Machado)

De toda a riqueza que Verônica traz em sua entrevista, começamos o relato desta conversa aqui por um afeto: seu amor por cores. Ao longo de nosso encontro, ela passou por alguns espaços da ONG Mensageiros da Esperança, da qual é fundadora, e nos encantou com paredes coloridas, em especial, uma toda pintada de roxo com uma mandala branca estampada: “Falei pra eles que parede branca eu não quero […] o branco pra mim é só pra começar alguma coisa, é só o início e eu preciso preencher com cor.” – conta.

Uma mulher que reacende cores vivas e vibrantes na cinzenta capital paulistana. Verônica é uma empreendedora social que atua há mais de 20 anos com manualistas e artesãos das periferias de São Paulo. Ela nos explicou a diferença entre esses dois termos: Artesanato é a transformação total do produto à mão, sem nada industrializado, e o manualista é quem usa maquinário ou recursos industrializados, como caixa de MDF pronta. […] O artesão é quem cria a caixa direto da madeira, faz o modelo da caixa, corta essa caixa com pouquíssimo uso industrial” – e acrescenta – “a Lei 13.180 (2015) regulamenta a profissão do artesão, faz pouquíssimo tempo que o Brasil passou a reconhecer o artesão como profissão.”

Fundadora da ONG e do Instituto Inovação Sustentável, ela também levou à frente o início do Programa Mãos e Mentes Paulistanas, em 2018, onde hoje atua na área de Relações Institucionais, promovendo políticas públicas a partir da escuta e profissionalização de empreendedores que expõem e vendem suas artesanias em feiras e bazares das periferias da cidade.

Verônica conta que o olhar do manual sempre esteve presente em sua história. Aos sete anos, órfã de mãe, foi conduzida a um colégio interno onde aprendeu muitas manualidades, como crochê e pintura em panos de prato, o que logo aguçou sua veia empreendedora. “Os primeiros produtos que vendi na minha vida foram feitos por mim mesma”, relata. Seu olhar sempre se encantou com o mundo das tintas, das cores, das obras de arte e manuais: “sempre achei que aquilo era um poder e um dom muito especial”.

A Educação também é u ma pauta que a move. A Mensageiros da Esperança, instituição que fundou em 1998 na zona Norte de São Paulo para apoiar comunidades vulneráveis por meio de atividades socioeducativas, expressa muito tudo o que Verônica acredita e fomenta. Em 2003, a ONG passou a oferecer aulas de artesanato sustentável, com seu companheiro, o ecodesigner e artista plástico Renato, e desde então já capacitou mais de 13 mil pessoas diretamente e mais de 60 mil indiretamente.

Em 2015, foi convidada por uma então candidata à vereadora para atuar na Prefeitura, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo (SMDET). Quando Verônica chegou no Departamento, em 2016, ela enfrentou o desafio de encontrar caminhos para regulamentar a recente Lei Municipal de Artesanato e Manualidades – “foi assim que eu caí no Mãos e Mentes Paulistanas”, o programa que atualmente é feito em parceria com a Rede Asta e se dedica a desenvolver e fortalecer economicamente os empreendedores artesanais e manuais paulistanos por meio de uma série de ações, como cadastramento, qualificação e acesso a capital, feiras, eventos e loja. Nesse Programa, Verônica ampliou seu olhar para a cena do trabalho artesanal paulistano: Eu descobri que em São Paulo e no Rio de Janeiro, a manualidade é muito forte. O artesanato é menos que a manualidade. O artesanato raiz é algo mais forte no Nordeste, no interior de São Paulo, de Minas Gerais, mas aqui na capital as pessoas sobrevivem de manualidades – conta. No Programa, já em 2018, ela conheceu artesãos da cidade inteira, ouvindo as pessoas nas feiras, suas necessidades, sua paixão pelo artesanato e características do fazer local. Em 19 de março de 2019, foi firmado o decreto da Lei e ela estava lá, sendo aplaudida por mais de 200 artesãos. Uma Lei decisiva e marcante para a cidade, pois nem o Programa de Artesanato Brasileiro (PAB) inclui ainda os manualistas. “São Paulo é o único Estado que apoia manualistas dentro de um programa artesanal hoje, e isso tem muito a nossa cara. São Paulo é isso: o artesanato, a manualidade, o empreendedor artesanal.” – explica.

“O artesanato é democrático.
Qualquer um pode fazer, então é uma das formas mais lindas de empreender.
[…] O artesanato é o olhar do artista: ele olha, ele pega qualquer material,
ele transforma e vira uma arte sensacional!”
(Verônica Machado)

Nas artesanias paulistanas, Verônica destaca que ainda falta uma identidade e isso repercute na falta de visibilidade e de valorização do artesanato local: “Eu busco, na minha utopia, criar uma identidade pra São Paulo. Então, o dia em que uma pessoa, de qualquer lugar do mundo, disser ‘olha que coisa linda que eu trouxe de São Paulo’, como a gente faz quando vai pro Nordeste, eu acho que vou ficar bem realizada”, declara.

Duas características muito fortes do artesanato paulistano, que trazem pistas dessa identidade, são: a pluralidade da cidade, pela sua dimensão, e o reaproveitamento e reciclagem de materiais. Verônica acredita que o fazer artesanal da cidade marcaria muito sua presença cultural através de produtos iconográficos. Além disso, também é notável como esse trabalho é potencializado em São Paulo como um “fazer que faz sentido”, pois além de ser gerador de renda, muitos manualistas e artesãos relataram a ela que encontraram no feito à mão um caminho terapêutico e ocupacional. Ela também destaca recursos que não existem em outros lugares, como o Banco de Tecido de São Paulo, que certifica marcas de costura criativa que usam seus insumos de reuso têxtil.

Desde 2012, Verônica atua como professora de empreendedorismo, desenvolvendo os artesãos a aprender a precificar seu fazer, valorizar o produto, apurar o olhar artístico, buscar inovação, tendências, repertório… Hoje tem um grupo com 26 artesãos. Na ONG também está montando com a equipe um quiosque para expor e vender produtos de artesãos cadastrados. Tendo debruçado sobre o campo das artesanias paulistanas, a empreendedora social ressalta ainda outros dados que o caracterizam: a presença feminina no empreendedorismo artesanal, faixa etária em transição (antes muito presente pessoas acima de 50 anos e hoje muitos jovens também se dedicam a esse fazer), a renda mensal média ainda não chega a R$ 2 mil/mês, o que é uma questão para a sustentabilidade do artesão – todos dados de sua pesquisa de campo quanto do preenchimento de um formulário de pesquisa de 2019, que recebeu mais de 1.600 respostas.

Verônica conta orgulhosa que já forneceu a carteira do Cadastro Municipal do empreendedor Artesanal e Manual para 890 pessoas em 2019. E não para por aí: “Eu queria criar um Banco de Insumos para artesãos com tudo que é aproveitamento das empresas!”, conta. Assim Verônica segue com olhar curioso, encantado para as descobertas, fazendo o futuro de São Paulo com as suas e as mãos de muitos artesãos.

Verônica Machado, agradecemos o rico encontro contigo, que também empreende uma Revolução Artesanal com programas sociais em São Paulo. Sua entrevista compõe nossa série “Por Artesanias Brasileiras”, em que convidamos e escutamos histórias de pessoas que fomentam, trabalham e valorizam os campos das artes manuais no Brasil. 

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Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa, Verônica Machado e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!