Ao alcance das mãos: em quais fazeres mais investimos?

Sobre fazeres alienantes e fazeres  humanizantes

Iniciamos este mês o percurso do Despertar do fazer-se, nosso primeiro evento híbrido com o recurso do ambiente virtual para acordar nossos sentidos e reflexões sobre o que o fazer artesanal nos faz. Em tempos que nos domesticaram a telas lisas, em que conteúdos escorregam com o deslizar de nossos dedos, e a encontros com faces, ombros e espaços planos, convidamos as pessoas a entrar em atrito com a materialidade do lápis e papel, ingredientes na cozinha, agulha e linha… Fazeres cotidianos que muitas vezes operamos automaticamente, sem a mesma carga emocional e intensidade que dedicamos aos nossos atraentes aparelhos celulares e monitores repletos de notificações chamando nossa atenção.

O documentário O Dilema das redes (The Social Dilemma), que gerou burburinho nos últimos 15 dias, trouxe à tona algo que sempre nos preocupou: o impacto dessa tecnologia ao alcance das mãos em nossa sociedade, psique, emoções, comportamentos e relações (tratando especificamente dos mecanismos internos de redes sociais e algoritmos que as tornam viciantes a nós humanos). 

Uma das maiores ameaças à nossa humanidade hoje é como essas redes alteram nossa percepção sobre as coisas, ou seja, como vemos o que vemos, confundindo nossos sentidos, certezas, convicções, autoimagem, interações… Talvez ainda não tenha saída para isso (mesmo a decisão de saída de alguns usuários desses sistemas não parece uma solução que altere as dinâmicas coletivas), mas uma forma de viver sabendo que isso existe é seguir cuidando de nossos sentidos humanos, começando pelo nosso olhar, já que na tela a visão é o primeiro sentido convocado.

Acreditamos o fazer artesanal é revolucionário neste contexto, pois ele traz uma forma de conhecimento particular, um fazer humanizante. Por quê? O artesanal é capaz de conectar fazeres ancestrais, culturais, existenciais e laborais através de nossas mãos.

Há fazeres humanizantes e fazeres alienantes ao alcance de nossas mãos. Em quais temos investido mais? Não se trata aqui de vilanizar os fazeres que acontecem no ambiente virtual – nós mesmos estamos aqui digitando este texto numa tela de computador, que chegará a você através de canais, como blog e redes sociais. Trata-se de um chamado a observar o que está ao alcance de nossas mãos, nossas escolhas, nossos tempos singulares, que impactam o coletivo… Um chamado a abrir os olhos e os sentidos para o presente que estamos fazendo com nossas próprias mãos. Para o futuro que já estamos manifestando no presente. 

O que vive no que você faz? Onde vive o seu fazer e onde você vive no seu fazer? O caminho que oferecemos por aqui para você se ver, se reconhecer, encontrar suas respostas e fortalecer sua humanidade é o do processo artesanal. O fazer(se) artesanal pode ser despertado no dia a dia: em casa, no trabalho, no lazer… São muitos os espaços e os convites a acender e integrar todos os nossos sentidos a partir de nossas mãos. Você tem aceitado esses convites?

Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa e Bruno Andreoni

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!