Tentando descortinar esses novos surgimentos. Novas tecnologias vêm aí e, com elas, um novo pensar vai entrando em transe, superficial, com pouca profundidade, tem até a ver com o mínimo de sentimento possível. A onda tecnológica parece afogar o pensar raiz, aquele da origem mesmo, o artesanal, sentimental, sem economia de afetos. De onde as grandes ideias dessas novas inteligências virtuais vêm? Se pudéssemos humanizar uma delas e perguntássemos: você vem de onde? O que será que responderiam?
No podcast, na troca entre amigos e até em exposições de arte, vamos nos conectando com o nome inteligência artificial, essa coisa que quase não sabemos o que é e nem sabemos exatamente seu impacto em nós ou em nossas relações. Está aqui, direto da fonte, a definição da Google:
“A inteligência artificial (IA) é um conjunto de tecnologias que permitem aos computadores
executar uma variedade de funções avançadas, incluindo a capacidade de ver, entender
e traduzir idiomas falados e escritos, analisar dados, fazer recomendações e muito mais”.
Um espaço para o estranhamento se abre… por que a inteligência artificial começa ali na voz de robô travestida de secretária que sinaliza que é hora de passar o café ou que é hora de fazer outra compra no mercado? O ataque começa no cenário burocrático, até um pouco raso e as pequenas chances de nos unirmos com o que comemos ou com aquele pensamento momentâneo enquanto seguramos a xícara vão nos sendo retirados, pouco a pouco. Se tem alguém virtual fazendo por nós, o que fica pra nós? É só quando nos debruçamos que damos conta que parte da nossa evolução, dos nossos desafios são ceifados. Dando um passo pra frente, essas tecnologias vão deixando apenas sobras e fazendo-nos esquecer de algumas de nossas sombras, tirando nossa própria escrita da vida. Se a inteligência artificial nos toma tanto, precisamos revisitar nossa criticidade a todo tempo, inclusive nos questionando se ainda analisamos bem a elaborações de textos, artes, sons e falas não humanas (mas produzidas por inteligência humana de fundo).
Duas visões alternativas são tomadas. A primeira é que, se nossa produção cultural, artesanal, única, criativa e de traço pessoal for sacrificada, nossa capacidade analítica também se veste de morte e se despede. Não se trata de não utilizarmos as tecnologias, elas estão aí, seria até delírio lutarmos incansavelmente contra. Como seres de sentimentos e sentidos, podemos permitir o desenvolver de nossas capacidades ferazes com as ferramentas existentes, reforçando até nossa marca autêntica no mundo. A segunda é que, há respiro no caos. Se todo o espaço vem sendo preenchido pelo artificial, convocamos uns aos outros às brechas artesanais, como costumamos fazer. Essas relações artesanais cheias de convites são provocativas e instigam o debate, elas não são utópicas. Assim como nosso diálogo aqui.
A inteligência artificial está sob a malha social. É isso que temos na mesa. Designers, redatores, advogados, médicos, artesãos, artistas têm seus saberes subtraídos pela própria inteligência artificial. Ela existe porque, antes de tudo, ela tem humanos que a servem. Se é humana é porque, em alguma pequena esfera, é artesanal. Um saber fez, ela transforma em dado, deixa tudo perfeito e reproduz. Ainda sobre a nossa estrutura de sociedade, essas grandes tecnologias também assolam posições desfavorecidas, achatadas. Nossos saberes podem, sim, se desvanecer, estamos em risco, nossas profissões, atividades boas do dia a dia, muito pode ser perdido. Enquanto ela nos empacota de preocupações e até de desconfianças em relação às nossas próprias capacidades e descansa deitada em nosso cansaço.
Quer abraçar algumas saídas? Temos a chance de
. Desejarmos o outro por perto.
. Nos aproximarmos de pessoas à margem, escutando e aprendendo com elas.
. Construir relações mais interessadas no ponto de vista e não na resposta pronta.
. Aquecer as discussões nos nossos trabalhos.
. Escutar as pessoas – todo mundo gosta de falar sobre si.
. Sentar cara a cara com um desafio e chamar alguém para pensar junto.
Talvez, sim, usemos o ChatGPT pra uma vírgula, mas não esquecendo que o texto todo é nosso e que fica melhor feito a várias mãos. Como esse que você leu, diretamente da IA, a inteligência artesanal.
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Escrita artesanal por Mali Vicentis com Ciça e Bruno