O ser artesanal, de si para os outros

Falar sobre o consumo irresponsável, violências diárias e produtividade a todo custo e as alternativas subversivas nunca é demais. Para o outro lado do arco-íris, rumamos, juntos, como seres artesanais. Apesar do significado intrínseco, dar borda à sua essência nos ajuda a olharmos nosso reflexo no espelho e enxergar ali, um ser produzido pelas mãos de muita gente, de cuidado mútuo, de contato atencioso, de profundidade e interesse no Outro. Como um planeta rodeado por estrelas e outros satélites naturais, os seres artesanais precisam existir para que as relações artesanais existam.

Quando os seres artesanais se movimentam, as relações artesanais emergem, mas algo singular e processual precisa ser despertado. Cada um vai se haver com suas metamorfoses, seus medos, alegrias e lembranças. Perceber o próprio fazer é o primeiro passo para as mudanças estruturais. Tudo que está posto pelas vias agressivas é questionado, mas o ser artesanal se questiona antes. O que preciso transformar em mim? O que enxergo de bonito no meu ser? Como contribuo para o presente e futuro artesanal? Quais são meus processos? Tenho carinho comigo? Voltando ao espelho, enxergar-se não é um trabalho simples, é lidar, a todo tempo, com o que está escondido ou o que a gente esconde por querer. Implicar-se com a própria figura é iluminado e sombrio na mesma medida.

O olhar voltado para si não cessa, porém alcança um ponto em que é possível olhar para as estruturas sociais e lançar reflexões. Em grupo, é muito mais interessante e proveitoso. Muita gente que atravessou suas dores e belezas está disposta a atravessar as dores e belezas coletivas. Aí é que a virada acontece, na revolução artesanal, o que é individual não se individualiza, mas se expande. Então, há vazão para consumo artesanal, economia artesanal, educação artesanal, trabalho artesanal. Como num caminho de paralelepípedos, as formas são muito bem assentadas e resistem ao asfalto que tenta assolar.

Os seres artesanais talvez nem se conheçam pessoalmente, mas cada vez que olham para uma estrutura movimentada e artesanal, sabem que ela passou por alguéns que se perceberam (e continuam), se questionaram com alguma micro-esfera da esfera social e decidiram fazer algo a partir disso, por um outro tipo de pensar e conduzir. É uma contemplação externa que só existe porque a contemplação interna coexiste. É de muita responsabilidade acreditar e produzir algo de si para o outro.

A vida artesanal em coletivo flui se as poesias, pinturas e costuras vierem, primeiro, das nossas mãos, das nossas experiências e dos nossos ritmos. 

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Escrita artesanal por Mali Vicentis com Ciça e Bruno

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!