Em meio a notícias desencontradas, encontros virtuais para nutrir a rede de trabalho e pessoal, redes sociais atulhadas de relatos e transmissões sobre o fazer diário e também sobre imperativos de como “aproveitar” nosso tempo em quarentena, qual tem sido a qualidade da nossa presença e olhar para o nosso fazer?
Que histórias estamos criando no dia a dia hoje? Há narrativas informativas cheias de explicações, outras que contam do peso da rotina, narrativas do excesso de fazeres e falta de tempo, narrativas do tédio, narrativas do que se fará num futuro ainda sem data marcada… Ao mesmo tempo, também podemos fortalecer narrativas dos nossos afetos e aprendizagem através dos fazeres, podemos narrar o novo mundo que já estamos criando em nosso espaço privado. É isso que estamos propondo em nossas Crônicas do Fazendo – um espaço para narrar seu fazer refletindo quem você é.
Neste espaço aberto queremos compartilhar narrativas de experiências sobre o que o fazer nos faz. Começamos este movimento com duas histórias de Ciça Costa: a primeira em que desbrava o mundo das geleias, doces em calda e seus significados, fazendo uma alquimia entre as receitas afetivas da mãe e as frutas disponíveis em seu quintal (na casinha em Tumbira/AM), e a segunda em que reflete sobre escolhas e consumo através de um detalhe sobre a cama no quarto de dormir.
Queremos contar histórias do fazendo como lugar de aprender, de fazer o dia a dia como uma proposta para o futuro que queremos viver. Como diz Walter Benjamin no ensaio “O narrador”, de 1936: a narrativa é a forma artesanal de comunicação.
“Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em-si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim, se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.”
Para os narradores que desejam mergulhar o fazendo em suas vidas e compartilhar essa experiência singular de revisão de si e construção do futuro feito à mão, fica o convite para participar deste movimento, enviando sua narrativa para a Revolução Artesanal.
Por uma vida feita à mão tem a ver com um lugar de desejo. Numa conjuntura que nos obriga a ficar em casa e a repensar várias coisas, será que nesse espaço íntimo do lar, no pequeno, nessa vida feita à mão, a gente consegue aprender? Aprender que não temos recursos ilimitados, que toda nossa comodidade tem um olhar, que é graças ao nosso desenvolvimento que também temos como passar por isso.
Queremos seguir fortalecendo a qualidade de presença e o potencial transformador a que o fazer artesanal nos convida. Não vemos este tempo como um intervalo, um hiato no tempo, para o retorno do que já conhecemos, mas como tempo em construção de algo novo, que pode ser criado com nossas próprias mãos.
Referência:
Benjamin, Walter. O narrador. In: Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense, 1936. p. 197-221.
Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.