É tempo de escolher bons encontros

Se as águas de março antes fechavam verão, este ano elas nos submergiram num outono muito diferente de tudo o que já vivemos. No hemisfério sul, o outono; no norte, a primavera; no mundo todo: uma sintonia que nos une em coletivo e nos traz o tempo de viver o que é preciso deixar ir e o que pede para florescer. A sobrevivência da vida na passagem do outono envolve a entrega, a perda e também o amadurecimento de frutos, já a primavera convida à abertura de novo ciclo, renovação, nascimento.

Quando o incontrolável acontece e nos afeta nos mais variados níveis, uma pergunta se impõe: o que podemos fazer a partir disso? Nossa resposta expressa nosso desejo: escolher bons encontros. “Escolher”, nesse caso, inclui nossa responsabilidade, reflexão, capacidade de selecionar e agir. Como escolher bons encontros em tempos de restrição social? Os bons encontros são aqueles que nos expandem, que nos geram alegria, que nutrem e diversificam nossa capacidade de nos afetar, pensar e agir. Eles nos reconectam com nossa humanidade, a potência de fazer parte desse coletivo que nos une neste planeta, a qualidade do nosso conviver com outros humanos, com o meio e conosco.

Desde que o movimento de quarentena se instaurou, houve um “movimento migratório” massivo das pessoas para o mundo virtual das redes sociais e webconferências. No espaço virtual, testemunhamos a primavera e o outono acontecendo simultaneamente: profissionais se reinventando, oferecendo suas artes às outras pessoas, florescendo formas de contribuir e colaborar, ao mesmo tempo que cresce uma ansiedade, angústia do isolamento, dos impactos da pandemia nos negócios, uma aceleração e excesso de (des)informação, que conduzem as pessoas à desconexão com o mundo concreto, consigo e com o outro verdadeiramente. Há bons e maus encontros nos afetando nesse universo virtual por conta das escolhas que fazemos quando estamos offline.

É tempo de escolher bons encontros começando por nós mesmos: cuidando de prevenir, nutrir, fortalecer e movimentar nosso corpo e da nossa mente para não ser tragado pela onda de histeria e medo. Reaprender a nos relacionarmos com o tempo do fazer e do ócio, estimular nossa criatividade, permitindo que nossas próprias mãos artesãs se encontrem ao preparar um alimento, ao retomar ou descobrir um fazer manual, ao cuidar e ocupar o espaço de nossa casa com nossas escolhas (limpeza, descarte, reforma…).

Também é tempo de escolher como vamos conviver uns com os outros, estando acompanhados ou sozinhos, uma oportunidade de amadurecer nossas relações e nos conectar com o que é mais real e potente para nós (no mundo físico e no virtual). Acreditamos, como o líder indígena Ailton Krenak, que uma boa ideia para “adiar o fim do mundo” é:

Ter a oportunidade de encontros como esse, onde um ouve, pergunta, escuta, responde, onde as falas não caiam no vazio, mas elas semeiam, em mim, em você, encontros. (Ailton Krenak, 2020).

Compartilhe com a gente os seus encontros, fazeres, reflexões manuais. Com estes materiais enviados por vocês, vamos fazer uma publicação contando todas estas histórias. Envie para o e-mail contato@revolucaoartesanal.com.br ou pelos meios sociais no @fazeratesanal.

Referências:
Masi, Domenico. 9 luxos imateriais – repense suas prioridades, bicho da cidade. Revista Wish, ano 1, n. 5, 2005. p. 16-17.

Krenak, Ailton. Vida sustentável é vaidade pessoal. Entrevista concedida a Fernanda Santana. Correio, Bahia. 25 jan. 2020. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/vida-sustentavel-e-vaidade-pessoal-diz-ailton-krenak/

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!