Qual a “moral da história” dos fazeres artesanais?

Ah, a famosa “moral da história” – aquele momento em que a narrativa é arrematada com uma chave de ensinamento sobre o que é bom e mau, o que é certo e errado, o que pode e o que não pode. Crescemos ouvindo histórias com uma mensagem moral explícita ou implícita, muitas vezes contada por alguém que enfatizava mais esses “ensinamentos” do que o imaginário da narrativa. Crescemos com alguém nos dando contornos e, por vezes, limites e ordens em excesso. Com isso, habituamo-nos a obedecer, a discernir como nos comportar na sociedade, aprendemos a esperar instruções, a valorizar clareza, razão, ordem, regras – resultado…

Tornamo-nos adultos ansiosos por comandos: tanto de si para si (com nossos planos e metas bem traçados) quanto de si para os outros (no papel de líder) e também de outros para si (quando somos liderados). O comando aponta a narrativa – fazendo assim, seguindo passos 1, 2 e 3 você vai chegar lá – o “lá” indica a moral esperada, como se tivéssemos algum controle do que vamos aprender sem experienciar a narrativa. Assim, quando nos colocamos na posição de aprendizes, esperamos chegar no “lá”, ou seja, no lugar onde imaginamos que a angústia do não saber vai ser totalmente dissipada.

Uma história sem “lá” é uma obra aberta, um convite a perceber algo além do que foi previsto, a inovar imprimindo nossa digital. É uma aprendizagem amoral. Nela, saem os manuais, entram as premissas. No fazer artesanal, as premissas são os pontos-chave que o mestre artesão demonstra para que o aprendiz capte as bases sobre uma determinada técnica. O mestre artesão oferece pistas, não regras meramente reprodutoras de uma peça artesanal. O verdadeiro mestre não quer que seu aprendiz seja um copista, mas um artista.
Para ser artista, é preciso aprender, testar as premissas e ter histórias para contar por meio do seu processo. É aceitar que existe um processo, único e irrepetível, e se desapegar do “lá”. É desejar o que acontece (não que aconteça algo), abraçar o erro, o imperfeito, o vulnerável.

Onde, em nossas vidas cotidianas, existe um convite honesto para isso?

Tornar-se artista artesão é se colocar corajosamente em atrito com o seu fazer para, aos poucos, reacender a sabedoria que está dentro de nós, de cada um de nós, de nossa ancestralidade e do que queremos criar com sentido neste mundo.

A moral da história dos fazeres artesanais é a história do fazer amoral, autoral e feito com amor – este é o convite da Revolução Artesanal para 2020! Que possamos viver muitas histórias e fazeres artesanais neste ano! Estamos de portas abertas com percursos criativos, laboratórios e festivais para promover a facilitação de sua vivência com seu processo artesanal e reconhecimento do artesão que habita em você. Aproxime-se e revolucione seu fazer!.

Jan/20 | Laboratório de Cores da Floresta
Mar/20 | O Caminho do Autor
Jun/20 | Festival do Fazer

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!