Do que você se abastece?

Costumamos olhar o processo criativo que é expresso de alguma forma concreta, por exemplo, em manuscritos, retalhos, moldes, receitas, versões e séries de obras etc. Podemos olhar nosso próprio processo ou olhar para o processo de outros artistas-artesãos, no tempo presente real (por exemplo, quando um mestre nos ensina algum fazer) ou virtual (acessível em exposições e pesquisas de acervo). Quando se olha para o que acontece nesse tempo do “fazendo”, observa-se não só o que se move em direção à entrega de um produto, no tempo futuro, mas pistas de todos os tempos experienciados pelo artista.

Hoje queremos olhar para um desses outros tempos do processo criativo: o tempo do abastecimento. Abastecer é mudar de estado para tornar suficiente, fala do processo fornecer o que é necessário. O tempo do abastecer é singular, difícil de mensurar e indispensável para que as entregas aconteçam. Quando adquirimos a obra de um artesão, um dos elementos que compõe o produto é seu tempo de abastecimento – ou seja, das experiências que o afetaram e nutriram seu processo criativo. Da mesma forma acontece em outros fazeres profissionais: paga-se com salário o tempo das entregas (para alcançar resultados) e o tempo do abastecimento do profissional. Não há entrega sem abastecimento. Por isso, queremos fazer este convite ao cuidado do seu tempo de abastecimento.

Os discursos que circulam por Janeiro costumam nos chamar a imaginar futuros, planejar metas e dar os primeiros passos – movimentos úteis que saem de dentro em direção ao fora, ao que queremos pôr no mundo. Queremos tecer nesses discursos o convite a este movimento de dentro para dentro, de abrir espaço para nos abastecer internamente, para que possamos nos sentir nutridos, fortalecidos e com riquezas suficientes para a caminhada ao longo do ano. Para evitar a exaustão que nos toma de surpresa quando a balança do fazer-para-entregar está mais pesada do que a do fazer-para-se-abastecer.

Como você pode se abastecer para criar? C. G. Jung nos traz a pista do brincar:

“A criação de algo novo não é realizada pelo intelecto,
mas pelo instinto de brincar, agindo por uma necessidade interior.
A mente criativa brinca com os objetos que ama.”
C. G. Jung

Abastecer-se envolve o atuar humano: brincar, contemplar, deleitar-se, conversar, conviver… Explore o que te estimula, o que te surpreende, o que te alegra, o que te desafia. Passeie também por processos criativos de outros artistas, visitando galerias, exposições, conversas. Experimente tempos fora do tempo, para nutrir seus sentidos e equilibrar a balança dos fazeres dedicados à entrega. Para abastecer, cuidar do que basta ser

Nós, da Revolução Artesanal, nos abastecemos nesse mês na Amazônia, na Comunidade Tumbira, renovando o olhar para o viver e aprender em comum-unidade e promovendo uma nova edição do Laboratório Cores da Floresta. Lá, abrimos nossa casa para receber artesãos e aprendizes numa troca de saberes e fazeres locais com o povo da floresta em torno do tingimento natural. Em breve contaremos mais detalhes dessa experiência por aqui!

Ao longo de 2020 ofereceremos várias temporadas de abastecimento para você. Esperamos por você para convivermos com o que há de mais humano em nós:
Abasteça-se no “fazendo” artesanal:

Mar/20 | O Caminho do Autor

Jun/20 | Festival do Fazer

Jul/20 | Laboratório Cores da Floresta

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!