Recebemos este presente de uma “Caminhante” do Caminho do Autor e queremos compartilhar esta história.
No último encontro do Caminho do Autor olhamos para o percurso que fizemos e convidamos cada participante a olhar para que viemos ser e fazer neste encontro de nós mesmos.
Neste texto poético, Juliana relata como foi o seu caminhar, o encontro consigo, a cada peça feita por suas mãos e alma.
a linha do meu tempo
páginas em branco em um caderno feito à mão
não faço o primeiro risco, ainda hesito a ousadia do primeiro rabisco
como se fosse a coisa mais importante do mundo qualquer registro lá
o caderno vai dormir na gaveta, sem pressa de ser começado e sabendo que um dia será presenteado
pouco vale pra mim o que não pode ser compartilhado,
o que não move, não mexe, não faz sentir nem pensar
ora, dizem que o tempo é curto e quanta gente há, quantas relações eu consigo cuidar
não há apego à linha do meu tempo…
esse tempo cumpriu seu papel de me entregar pronta pra você nesse momento, agora
o trabalho diário que escolho fazer, aquele tal de se conhecer, implora por uma visita à linha do meu tempo
eu só escuto e obedeço
tantas vezes já fui lá
o fluir do tear
as ondas do barco que leva a linha por cima, por baixo, por cima, por baixo, pra lá e pra cá
que caminhos naveguei!
no mar de possibilidades naveguei
e sempre acho que errei, que poderia ter ido por ali
mas, o rio não para
despenca em cachoeiras, se faz corredeiras até desaguar, até sua água doce salgar
ah, o fluir do tear
imagino os tantos outros caminhos na linha do meu tempo
como teriam sido sem eu resistir, se eu tivesse sabido fluir
terra molhada debaixo das unhas e refrescando minhas mãos
queria eu fazer dela pote
e o que ela pede?
o que ela pede pra ser na sutileza de um diálogo silencioso é essencial para o que emergir dali
não será esse o segredo para todas as nossas criações? o elo para a saúde de todas as nossas relações?
no silêncio podemos ouvir, no mais sereno silêncio podemos contemplar
nada é decidido
talvez tudo esteja esperando para ser considerado
na sutileza de um diálogo silencioso o mundo vai sendo moldado
por aqueles que percebem e também por quem não sabe escutar
a linha do meu tempo me fez um convite outro dia
presa na ilusão do sofrimento momentâneo, não aceitei
atropelei o movimento delicado da agulha com a linha
fazia e desfazia pontos sem qualquer pesar, sem comprometimento, sem saber onde vai dar
do impulso regado pela emoção, eu pari minha velha inquietação
o avesso poderia ser a frente, e a frente a parte de trás
sem saber preencher o vazio dos espaços que são regalos da linha do meu tempo
eu soube então parar
desprovido de significado, coitado, o pano serviu para enxugar lágrimas
naquela noite me fez companhia esse meu primeiro bordado
ao tentar ser além de mim, fiz planos mirabolantes
dobrei, dobrei e dobrei aquele tecido entusiasmada para fabricar formas únicas
o tecido franziu, a água ferveu, a casca da cebola tingiu, a gente mexeu
ali, na expectativa, moravam todas as possibilidades do que o tecido poderia ser
recebi com delicadeza a frustração gentil de descobrir que as dobras mirabolantes resultaram em linhas contínuas
contínuas como a linha do meu tempo
o caminho continua na simplicidade nua e crua de cada passo
não foi mera coincidência que daquele encontro não participei
eu não carimbei
talvez minha marca no mundo seja d’água ou tenha ficado pra depois
na caixa de madeira quero me guardar
a princípio foi pensando em guardar chá
me guardar pra quê? pra quem? pra quando?
eu vou é me ofertar, me apresentar inteira para cada situação e para cada um que puder contemplar
minha oferenda é minha vontade de viver, de gastar meu corpo, de gastar minhas ideias, de gastar minha energia
poupar energia pra quê? pra quem? pra quando?
a caixa tem beleza
fazer a caixa tomou parte de mim
tudo toma parte de mim e quando toma, se torna belo
não tem outro jeito: fluir, escutar, saber parar, aceitar, se doar e se apresentar por inteira a cada passo do caminho
na linha do meu tempo
Juliana Moraes Pastoriza
A 2ª edição do Caminho do Autor inicia dia 12 de março de 2019. Se você escuta o chamado para ser autor/a de seu caminho e deseja vivenciar um processo de autoconhecimento criativo por meio de fazeres manuais, leia mais informações aqui ou venha bater um papo com a gente: contato@revolucaoartesanal.com.br
Os outros relatos dos Caminhantes estão em Caminho do Autor – um percurso de autoconhecimento por fazers manuais