Trajetória e descoberta do fazer manual

Cada pessoa tem uma vivência, uma forma de caminhar pelo mundo. Porém, por vivermos em sociedade, as histórias de cada um vão se entrelaçando e formando uma bela teia, com fios de inspiração, superação, mudanças, aprendizados.

Ao ouvir a experiência de outra pessoa, conseguimos sentir as semelhanças e as diferenças dentro de nós mesmos, e isso gera novos fios que irão se conectar com outras pessoas, enriquecendo essa rede da vida humana.

Para contribuir com essa troca, inspirar e promover reflexões, vamos contar a trajetória e descoberta do fazer manual de Priscila Cañedo e do atelier Móbiles e Outras Manufaturas.

Fazer manual: intrínseco e natural

A fazedora e o seu fazer

Priscila Cañedo tem 43 anos, é mãe de dois filhos e formada em arquitetura. Há 19 anos ela faz móbiles, um conjunto de peças suspensas que se movimentam com as correntes de ar, usados para decoração, harmonização de ambientes, além de “trazer cor, arte, movimento e contemplação”, nas palavras da própria artesã.

Ela e a sócia Eliane Coelho têm o Móbiles e Outras Manufaturas, que oferece, além de peças para quartos de crianças (o carro-chefe do negócio), modelos para salas, quartos, escritórios, consultórios etc. O atelier também produz móbiles especiais e exclusivos para eventos e ambientes corporativos.

O nascimento e os caminhos percorridos

Priscila estava no último ano da faculdade de arquitetura e estagiava em uma revista do setor. E como surgiram especificamente os móbiles na vida da arquiteta? “Eu costumo brincar que foram os móbiles que me escolheram”, ela conta.

Na época, ela trabalhava duas vezes na semana com a atual sócia, Eliane, “que desenhou os primeiros móbiles e me contratou para ajudar na confecção”, explica Priscila.

Como estava grávida do primeiro filho, ela preferiu optar por trabalhar em casa e, então, saiu do estágio para se dedicar ao novo negócio.

“A produção era mínima e o foco principal era buscar espaços em São Paulo para comercializar e divulgar o nosso trabalho. Mas os móbiles realmente me escolheram, comecei a me dedicar integralmente a eles e de colaboradora fui convidada a me tornar sócia. Montei meu atelier em casa, para desenvolver e produzir as peças e, ao mesmo tempo, ficar próxima dos filhos”. 

O fazer e o sentir

Apelidada pela segunda filha de “mobileira”, Priscila conta que o fazer sempre esteve com ela, desde criança, e não consegue identificar um momento de descoberta, mas percebe que é algo que a acompanha:

“Nunca tive um temperamento contemplativo, o que me descansa é o fazer manual. Eu não consigo ter uma lembrança sobre como descobri o fazer. Tenho para mim que entre brincar de boneca, ou fazer uma colagem, eu ficava com a colagem. Eu sempre estava no grupo do fazer, de procurar tocos para construir uma cidade, de pintar e decorar os tocos… de aprender a fazer crochet com a senhorinha da casa vizinha, de aprender a bordar com aquela moça que faz um bordado lindo. Eu tenho um especial interesse no fazer, para mim, ele é inerente, e chega até a me impressionar, porque os anos passam e não muda, eu não me sinto cansada, outras coisas me cansam, me fazem mudar o hábito, desistir, mas o fazer manual não. Vai desde fazer o suco, fazer o bolo, fazer a barra da calça, as cortinas e até o tapete. Meu interesse está sempre neste lugar, nestas pessoas, em aprender a fazer alguma coisa com as mãos.”

O fazer e o sentir andam de mãos dadas, influenciando e refletindo diversos aspectos da vida, segundo Priscila:

“A gente alcança sensações com o fazer manual: liberdade, porque o fazer manual é um ofício que carregamos com a gente. Eu sempre morei em São Paulo, minha família está aqui, meus filhos estudam aqui, mas não me sinto obrigada a ficar por aqui para sempre, planejo sair e sei que, com o meu ofício, posso continuar o meu trabalho em outro espaço, outro lugar. Eu carrego ele junto comigo. Ser um pouco mais paciente e reconhecer o verdadeiro significado da presença também alcancei fazendo os móbiles. Esperar o tempo de secagem, colagem e equilíbrio. Fazer a peça com presença, conhecer o processo, seu início, meio e fim. Na verdade, é como tudo na vida, concluir o fazer é uma prática que pode te ajudar no macro.”

As mudanças e as descobertas

Com o passar dos anos, a Móbiles e Outras Manufaturas cresceu e hoje é um negócio com mais solidez.

O processo foi longo, cheio de aprendizados, “mas aconteceu, e só aconteceu, porque o manual é o que me move, e eu sempre acreditei no potencial do CRIAR, PRODUZIR E VENDER. Essa é a tríade.”

O fazer manual, artesanal, mostra muito do íntimo do fazedor, ajudando-o a aprimorar a autoconsciência, presença e ter vivências enriquecedoras. Na opinião de Priscila:

“Descobri que todo esse tempo de dedicação ao meu fazer foi uma grande experiência antropológica. Foram anos cultivando uma escolha de vida e acreditando nela, às vezes com mais animação, às vezes mais cabisbaixa. Apresentar, vender o que você produziu pode ter inúmeras consequências e experiências. A gente cria relações, amizades, parcerias. Cativa pessoas, aprende com elas. É uma troca muito grande. Uma rede que se amplia, e que tem potencial para muito mais. Eu tenho certeza”.

Se você quer aprender algo novo, exercitar o que já sabe e trocar experiências do fazer manual, as inscrições do Festival do Fazer 3ª Edição estão abertas, não perca. Inscreva-se!

 

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!