Os sentidos do fazer – a era da consciência ética

Que sentidos atribuímos aos nossos fazeres? O que esses sentidos revelam sobre nossa conduta, nossos desejos, nossas relações e expressão no mundo? Para refletir sobre essas questões, começamos pela investigação de quem são os fazedores de hoje e quais as suas características.

Comentamos sobre o fazedor que é o artesão de si mesmo, remetendo-nos à figura daquele que se dedica ao fazer artesanal como forma de se conectar com sua humanidade, resgatar a ancestralidade e esculpir sua própria identidade singular. Ao mesmo tempo, convivem hoje outros tipos de fazedores: os sujeitos de desempenho, que podem ter motivações semelhantes às dos artesãos de si, pois são exploradores de si mesmos, contudo travam uma guerra consigo, em que são os próprios algozes e vítimas, cobrando-se sempre a fazer e desempenhar mais; e os fazedores apáticos, que operam numa espécie de inércia operacional, motivados por obrigações externas (gerar renda, seguir ordens de alguém…) e por um impulso de fuga (por exemplo, buscando no espaço de final de semana e férias fazeres diferentes dos que obedecem no cotidiano, mas buscando neles apenas uma válvula de escape e descompressão). Com que outros tipos de fazedores você convive hoje?

Somos herdeiros de uma era industrial disciplinar, utilitarista, focada em um produzir repetitivo e em escala. O ser humano revela, nessa fase, novas formas do fazer (trabalho e cotidiano) e de produzir conhecimento científico, porém, o acesso a esse conhecimento fica limitado a alguns públicos específicos e as práticas de reflexão sobre si ainda são restritas aos ainda estigmatizados âmbitos terapêuticos. Hoje seguimos em transição entre a chamada era do entendimento (pós-moderna), na qual acreditamos que é possível fazer qualquer coisa, e a da consciência ética (pós-pós-moderna), em que observamos o quanto nosso fazer está comprometido por aquilo que sabemos e entendemos, mudando o paradigma do “tudo é possível” por “podemos tudo, mas não qualquer coisa”.

Esta mudança de consciência que nos empurra à reflexão-ação ética tem consequências tão fundamentais como uma mudança em nossa sensorialidade, nosso emocionar e nosso agir […] (Maturana; Dávila, 2007, p. 108, tradução nossa)

Vivemos uma transição dos sentidos que atribuímos aos nossos fazeres. Começamos a desvalorizar os sentidos do lucro, da competição e do poder e a passamos a falar mais dos que estão ligados ao bem-estar comum: equilíbrio emocional, colaboração, sustentabilidade, impacto social e ecológico… Desse modo, cabe refletirmos sobre os sentidos que temos atribuído aos nossos fazeres, não só o artesanal, mas todos os fazeres cotidianos. O que nos move? Que cultura conservamos a partir desse fazer? E que cultura podemos criar por meio dele?

No fazer artesanal, acreditamos que o sentido mais potente é construído no processo do fazer, por meio das escolhas de forma e conteúdo: materiais, técnicas, do que olhamos em nós e do que queremos entregar para o mundo. Acreditamos que o sentido não é só aquele que os olhos do consumidor vão atribuir ao produto artesanal. Não é o consumo que dá o sentido, é a história que se criou e se conservou ao longo do fazer na rede fazedor-forma-conteúdo-consumidor.

Ao expandir nosso olhar, vemos que somos responsáveis ​​pelo surgimento de tudo de bom e tudo de ruim em nosso viver para ser geradores do que fazemos, seja com as nossas mãos, com o nosso pensar, com o nosso teorizar e com o nosso explicar, de todas as dimensões de todos os mundos que vivemos. Não importam as circunstâncias em que vivemos nosso viver, nós, seres humanos, somos criadores e, portanto, responsáveis, tanto do que fazemos em nossa vida doméstica, como nos múltiplos mundos em que vivemos, fazendo filosofia, arte, religião, ciência ou tecnologia como modos diferentes de habitar humano. (Maturana; Dávila, 2007, p. 115, tradução nossa).

Que tal ter um espaço de confiança e acolhida para refletir sobre os sentidos do seu fazer? Nosso Caminho do Autor é um percurso para você investigar o/a artesão/ã de si mesma, reconhecendo suas potencialidades e integrando seus limites visando uma maior consciência do seu fazer e estar no mundo. O processo passa pela experimentação e reflexão de diversos fazeres manuais. Entre em contato com sua potência humana criadora!

Referências bibliográficas: Maturana, H.; Dávila, X. La gran oportunidad: fin de la psiquis del liderazgo en el surgimiento de la psiquis de la gerencia co-inspirativa. Revista Chilena de Administración Pública, n. 10, Diciembre/2007, p. 101-124. Han, B.-C. Sociedade do cansaço. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2017.

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!