Ocupar(-se) com afetos

Há uma potência de sentidos no verbo “ocupar”. Sua bagagem latina (occupare) nos remete à ação de tomar posse e nos convida a atualizar o sentido do que nos apossamos hoje, tanto física quanto simbolicamente. Tomamos posse de algo que tem valor para nós e do que desejamos e agimos para conquistar. É comum, por isso, usarmos “ocupar” em ações de resistência, violência e tomada de algo de valor, como bens e propriedades.

O que temos ocupado hoje? Paralelamente ao sentido mais comum, a contemporaneidade tem aberto caminhos para ocuparmos não só algo externo a nós para atestar uma relação de poder, mas ocuparmos espaços de tempo e de lugar para nutrir nossa subjetividade e contribuir com o mundo que queremos (vi)ver. É bonito ver o verbo ocupar, transitivo, com sua ponta de lança que convoca ao posicionamento e à ação, se desviar com um pronome oblíquo (“-se”) na versão pronominal. Ocupar-se transforma aquela lança em seta que aponta para si recursivamente e questiona “ao que você se entrega? Ao que você se dedica?”

Transitivo ou pronominal, ocupar convoca afetos potentes em nós. Como temos ocupado espaços hoje? Essa é uma das perguntas que movem nossas ações na Revolução Artesanal, pois acreditamos e fomentamos o delicado e potente ativismo do fazer artesanal. Um ativismo afetivo que faz acender a disposição e a relação (do termo em latim affectio) do ser a partir do fazer, agir sobre, manejar (da raiz etimológica afficere).

É com esse posicionamento que nomeamos a intervenção que realizamos na Universidade São Judas Tadeu (campi Mooca e Butantã) como Ocupação Afetiva. Um encontro incomum de palavras, como acontece também com nosso próprio nome Revolução Artesanal, para traduzir uma forma de ativismo do fazer, que se manifesta por e também permite acessar afetos.

Para compor a instalação artística coletiva dos alunos nos saguões das instituições, realizamos uma série de oficinas de 11 tipos de fazeres manuais, espaço de convivência e rodas de conversa entre 11 e 27 de outubro, com diversos oficineiros provocando reflexões por meio de seus fazeres: Marco Antônio Andreoni, Ciça Costa, Bia Alcântara, Tati Polo, Ana Moraes, Luiz Lira, Cristine Bartchewsky Lobato, Mayra Aiello, Nathália Abdalla, Clau Gonzaga, Isabela Teles, Gal Gruman e Andrea Canton.

“A beleza do projeto está na postura de uma Universidade
abrir espaço para ouvir seus alunos.
O projeto Ocupação Afetiva é a realização
dessa escuta e abertura de espaço
,
por meio das oficinas iremos provocar a reflexão
sobre os afetos e sentimentos, sobre seu momento de vida
e sua relação com a academia,
e por meio da Obra Coletiva deixaremos
esse processo visível, ocupando espaços da universidade”,
declarou Bruno Andreoni na preparação do evento.

Assim nasce um modo inovador de ocupação, que preenche espaços externos e internos a partir da abertura aos afetos e do protagonismo do fazer com as próprias mãos. Ocupa lugares e o tempo com afetos, ocupa-nos com nossa humanidade, menos com o utilitarismo e mais com o sentido do nosso fazer. Uma ocupação para tomar posse da própria potência, para cuidar de si como forma de dar conta do que manifestamos em nós e no mundo.

“Ocupar-se consigo não é, pois, uma simples preparação momentânea para a vida; é uma forma de vida.” (Foucault)

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!