O que sustenta um projeto artesanal? – terceira jornada

consciência do fazer no mundo (fazer sustentável e ecológico)

Nas últimas jornadas do fazer artesanal, defendemos verbos de ação que ecoam de dentro para fora – o primeiro eco nasce do acreditar e do agir, que só se sustentam quando acontecem continuamente, marcando o ritmo dos próximos ecos; já o segundo eco promove expansão e convoca outros agentes a fazerem junto, mostrando que o projeto artesanal só se realiza quando há o olhar do outro que reconhece e valoriza o nosso fazer. Nessa segunda jornada, compartilhamos nossa estratégia de co-fazer o Festival do Fazer 2019 por meio de parcerias com sentido e do crowdfunding. Agora, esta terceira jornada da sustentabilidade do fazer artesanal amplia o pulso da consciência do fazer e de seu impacto no mundo. Nela, o artesão cuida e cria a partir de um fazer que supra suas necessidades, valorize sua arte e respeite o meio ambiente, ou seja, realize um fazer sustentável e ecológico.

“O artesão é o ser mais sustentável do mundo.” – a fala de Edel Moraes, da Ilha do Marajó (PA), numa das conversas do Festival do Fazer 2019 nos traz a reflexão sobre as escolhas feitas no processo artesanal: desde a produção, na relação com os materiais a serem utilizados e como são extraídos da natureza, até uma entrega que cuida do produto e do resíduo que é oferecido ao mundo. Ela conta como são feitas suas biojoias de açaí, respeitando o ciclo da planta – a região onde vive tem a riqueza o bioma do açaí, por isso os artesãos locais preservam seu ciclo como um todo. Para subir na árvore do açaí, por exemplo, é colhida antes a palha de outra palmeira, a qual é entrelaçada e se transforma em ferramenta para sustentar a pessoa que vai subir no açaizeiro. Após a colheita do açaí, é feita debulhagem com instrumento feito da folha da própria planta. Só então se chega à semente do açaí – que também é usada com consciência, pois uma parte volta pra natureza e outra parte fica para confecção das biojoias. Edel foi a primeira mulher a ter o título de mestre na comunidade onde vive graças às biojoias – por meio de seu fazer, conseguiu sustentar seus estudos, hospedagens e viver de seu fazer.

O artesão consciente que está na terceira jornada de sustentabilidade de seu trabalho é alguém que ampliou o olhar sobre seu fazer, reconhece o impacto de sua entrega ao mundo e sabe valorar seu fazer também por esse zelo. O produto feito em escala tem um valor inferior justamente por pouco se preocupar com a qualidade dos materiais, com o sentido do fazer artesanal e com o impacto dos resíduos que geram na natureza – a escala pode gerar lucro mais rápido, mas raramente gera sustentabilidade.

A Revolução Artesanal traz ecos de muitas histórias de fazeres artesanais que respeitam os ciclos da natureza. Contamos aqui, por exemplo, o caso da construção de uma casa 100% artesanal na Comunidade Tumbira (AM). No Festival do Fazer também recebemos notícias de como o óleo de andiroba da região da Vila do Pesqueiro, na Ilha do Marajó, é feito com as sementes que o rio traz até os artesãos locais, ou seja, com sementes que não são colhidas quando o ser humano quer, mas que são oferecidas pela natureza ao ser humano de acordo com o ciclo da planta. O Festival também reuniu exemplos artesãos que trabalham com materiais reutilizados, como resíduo de couro, retalhos de tecido e banners de propaganda, e de forma que dispensa embalagens de plástico, como shampoo e condicionador.

Todos esses exemplos nos fazem refletir o quanto a ecologia do fazer artesanal faz ecoar um fazer vivo: que recicla, guarda a memória do que foi, conserva a ancestralidade da técnica do fazer, respeita os ciclos da natureza e as relações e processos de tudo o que é vivo e coexiste. Todo artesão impacta o mundo, por isso é indispensável pensar como deseja estabelecer sua relação com o mundo, com os recursos que utiliza, descarta e entrega. O fazer artesanal consciente é a terceira jornada da sustentabilidade dos projetos artesanais. Um fazer que reconhece seu valor em si e no mundo e busca gerar valor ao longo de todo o processo: para a natureza, para o outro e para si, num ciclo sustentável e ecológico em todas as etapas. O projeto artesanal se sustenta fazendo eco e sendo eco.

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!