Por que focamos no “fazendo”
Esse som é sobre a ciência da persistência versus a preguiça e a descrença
[…] Esse som é sobre o processo.
(Música “O processo”, de BNegão e os seletores de frequência)
Uma Revolução Artesanal também se faz com palavras. É por isso que garimpamos e lapidamos tanto a escolha das que vamos colocar em movimento em nossa curadoria de conteúdo. Já falamos da nossa visão sobre o termo artesanal que valoriza o ato do criador em processo e também contamos da união desta palavra com o termo revolução, que expressa muito do que nos propomos desde o início de nosso movimento.
Há um verbo que também aparece bastante em nossas comunicações e criações: FAZER. Oferecemos o Dia e o Festival do Fazer, manifestamos o mundo feito à mão, nomeamos fazedores artesanais, com isso vamos expandindo os fazeres e celebrando os feitos. Entre suas variações, a que mais focamos na prática é a do “fazendo”. Você já pode ter visto essa forma em nosso manifesto:
Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”
Se “fazer” carrega o sentido de “levar a efeito”, o verbo no gerúndio volta nosso olhar para o que acontece na condução por efeitos. Coloca o ato na perspectiva em movimento, ativando a consciência para o que está sendo criado de nossas mãos para fora e também de nossas mãos para dentro.
É no “fazendo” que nos colocamos corajosamente em atrito com o nosso fazer
Quando incentivamos a cultura do fazer manual, não estamos falando de uma supremacia do fazer, isto é, de um poder inerente à ação. O que valorizamos é “um jeito de fazer que nos dá autonomia em relação à vida, que nos coloca como autores e responsáveis por aquilo que estamos propondo ser no mundo”.
Debruçar-se num fazer artesanal é colocar o corpo em processo ativo. É sair do mental, do belo do plano ideal e aprender a apreciar o atrito com o erro, o imperfeito, a frustração e a vulnerabilidade do próprio fazer. No “fazendo” somos autores de fato de nossas criações artesanais, enquanto o processo está em nossas mãos. Quando o que fazemos vai pro mundo, uma parte de nós vai junto, outros encontros e histórias vão incorporar no que foi feito por nossas mãos. Percebemos no “fazendo” a forma autoral do verbo.
É no “fazendo” que reaprendemos a ver e, com isso, transformamos as coisas, a nós mesmos e o mundo
Acreditamos na cultura do fazer manual como caminho para fortalecer nossa subjetividade e construir sentido a partir dela, algo fundamental nos tempos atuais de virtualização das relações e dos fazeres.
Habituamos nossos sentidos à presença virtual, fora do nosso próprio corpo. Hoje essa virtualização foi intensificada pelo trabalho remoto, o distanciamento e tudo que estamos atravessando. É possível notar isso no cotidiano, quando misturamos os tempos de lazer e trabalho, checando e atendendo às convocações do celular mais do que dando atenção às pessoas que estão em nossa presença real; ou quando em vez de nos dedicarmos a nutrir o próprio corpo e a relação com quem partilhamos uma refeição, optamos por nutrir nossos olhos com as imagens e as histórias que as janelas virtuais descortinam no mundo on-line.
Imersos na cultura virtual, fomos nos desacostumando a ver e adestramo-nos (ou fomos treinados pelos aplicativos) a visualizar. O artesanal nos convoca a reaprender a ver, a resgatar o tempo de elaboração do nosso corpo, tempo esse tão pulverizado hoje em dia em nosso feed infinito de notícias.
E é vendo que abrimos espaço para transformar. Tornar o fazer artesanal num manifesto do que quer ver no mundo é assumir um compromisso com o que se empreende. E esse compromisso é reafirmado na continuidade, na repetição e no olhar atento do fazer no “durante”. O fazendo é o tempo da “ciência da persistência” a serviço da transformação.
Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa e Bruno Andreoni.