A frase “Eu me lembro” é como uma chave para um baú de estórias que não ficam registradas na História. Inventários de lembranças íntimas podem contar tanto o que foi vivido individualmente quanto coletivamente, no contexto do espaço-tempo vivido ou relembrado. Mas há um “eu me lembro” que não é explícito numa conversa ou num escrito: o do fazer. Quando nos colocamos a fazer algo, memórias sutilmente vão sendo ativadas. Nas narrativas do fazer artesanal, registramos um pouco dessas estórias que contam dos afetos e das escolhas que nos atravessam hoje. Para além de narrar tempos passados e resgatar nossa ancestralidade, as memórias que ativamos no fazer artesanal provocam uma fusão de tempos entre o passado, o presente e o futuro. No tempo presente do “fazendo”, estamos acessando e, ao mesmo tempo, criando memórias pro futuro. Dos atuais tempos estranhos que vivemos, o que nossos fazeres vão contar? O que esses fazeres contam de você hoje e do que passou a integrar seu cotidiano? O que você deseja continuar fazendo daqui pra frente? Nossos fazeres presentes têm colecionado memórias preciosas das histórias que vamos contar no futuro. Somos como este guardador de livros que desempacota sua biblioteca ao chegar de mudança e percebe que seus livros são mais do que objetos com função de ensinar, entreter e refletir, são objetos afetivos que contam de sua existência humana entre a ordem e a desordem do que acontece e do que elege pra sua coleção:“Eu lembro como tudo parece bobo de manhã (de novo).” (Joe Brainard, I remember, 1970)
“Eu me lembro das noites à beira da lareira com a família, falando sobre nossos desejos, nossos desejos, nossos medos, nossas alegrias, nossas raivas, nossos desentendimentos, nossas emoções, até precisar de mais lenha.” (Georges Perec, Je me souviens, 1978)
Que memórias se fazem por meio de seus fazeres e das coisas que têm ocupado o seu tempo e o seu lar? Por meio delas, é possível construir sentido para o que estamos enfrentando individualmente e coletivamente a fim de que, no futuro, quem conhecê-las/revisitá-las possa construir a significação do que foi essa fase. Para isso, convidamos você a registrar as narrativas do seu fazer, seja por meio de escritos, cápsulas do tempo (com coisas), fotos ou objetos feitos com suas próprias mãos. É por meio desses inventários de nós que podemos começar a criar nosso “Eu me lembro” coletivo do que vivemos. Fazendo memórias é uma ação para registro do tempo no intervalo do próximo ciclo da lua nova. Para saber mais e inscrições, acesse https://revolucaoartesanal.com.br/fazendo-memoria/. Vamos fazer memórias? Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa e Bruno Andreoni. Referências e inspirações: Benjamin, Walter. Desempacotando minha biblioteca – um discurso sobre o colecionador. In: ______. Rua de mão única. Trad. Rubens R. T. Filho e José Carlos M. Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 227-235. Brainard, Joe. [1970] I remember. New York: Granary Books, 2001. Fuks, Julián. O que a quarentena nos rouba? Inventário de saudades e perdas íntimas. Ecoa: por um mundo melhor. 23 maio 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julian-fuks/2020/05/23/o-que-a-quarentena-nos-rouba-inventario-de-saudades-e-perdas-intimas.htm. Acesso em 27/5/20. Perec, Georges. [1978] Je me souviens. Paris: Hachette, 1997.“uma relação com as coisas que não põe em destaque o seu valor funcional ou utilitário, a sua serventia, mas que as estuda e as ama como o palco, como o cenário de seu destino.” (Benjamin, 1987, p. 228)