Artesãos de si

O fazer artesanal,

… assim como as narrativas orais (estórias), tinha uma característica marcante: ser passado de geração para geração.

Muitas famílias conservaram seu fazer com as mãos como forma de registro de sua identidade, da marca de uma coletividade. Daí conhecermos famílias que praticam, ao longo de gerações, determinadas técnicas de marcenaria, serralheria, bordado, crochê, culinária… Muitas vezes, a família é mais ampla que um núcleo reunido pelo sangue, inclui uma comunidade de uma aldeia, de uma cidade ou de uma região – identificando uma cultura local. 

Na contemporaneidade, acontece um fenômeno paralelo a este de conservação de identidade coletiva, isto é, de uma cultura por meio de fazeres manuais. Este novo fenômeno é o surgimento dos artesãos de si: pessoas que tanto buscam se conectar com a ancestralidade por meio de um fazer manual quanto desejam moldar e marcar suas identidades singulares. Chegamos na era da experiência. Mas não de qualquer experiência: humanos buscam experiências cada vez mais humanas, querem viver sua humanidade e sua identidade singulares para descobrir o que esse fazer autoral cria no mundo. Suas questões pairam em torno de identidade, autenticidade, humanização e fazer com sentido.

Nesse contexto, o processo de criação dos produtos vai somando mais capital simbólico do que os produtos em si. Chegamos em um tempo em que nossos sentidos estão aguçados para a história/a bagagem que o que consumimos carrega e, pouco a pouco, deixando de atribuir apenas sentido utilitário para as coisas. É sobre isso que Fernanda, nossa caminhante da segunda edição do Caminho do Autor conta nestes relatos de sua primeira experiência com argila e com tingimento de tecido:

“Terra e água: é disso que sou majoritariamente feita, dizem os astrólogos. Eu acreditei enquanto mexia em argila e me identificava com a lama. O fazer manual exige presença e dedicação. Preciso ter consciência das minhas mãos para executá-la. E o que são minhas mãos sem meus olhos, sem minha energia, e sem meu corpo inteiro ali? Aprendi com a argila a necessidade de mim, para criar e moldar minha vida. Lembrei disso hoje porque, hoje, faltam oito dias. E, como diz Ceci, 8 é dia de infinito. Bebo água e respiro. O agora é tão grande e do amanhã eu praticamente não tenho ideia. A sensação de pular no abismo deve ser a mesma. Logo eu, feita de terra e água! Os planejamentos me são muito essenciais. Mas não consigo ver 6 meses à frente. Sei que agora só preciso estar aqui. Pegar com as mãos o que tenho – e fazer um prato. Porque é assim que passo, hoje. Sem profundidade e aberta. Hei de aprender com esse novo espaço em formação. Escrever o amor, a dúvida, a perseverança. Pegar na mão o que sinto. E veja bem: tenha noção do seu tamanho. E se quiser crescer, tenha mais ainda.” Fernanda

“Existe algo no tingimento que eu não escolho, apenas aceito. É preciso saber trabalhar com as cores – @isadorarubim que o diga. Tentei uma Lua e sabia que ia espelhar, mas não sabia exatamente como. O exercício das dobras é algo que ainda me falta prática. Juntei o espaço do meu desenho com tanta força, para que não houvesse motivo para a tinta entrar no vazio, mas entrou. E mal deu pra ver minha Lua. Enquanto observava, depois de todo o preparo e a expectativa que criei sobre um pano: que decepção. Não saiu como imaginei. Um fazer manual que tinha tanto da minha mão, tempo, e intenção. Como pode? Falta-me repertório para entender a ação da água, da tinta, da panela, do mexer, do aperto da minha própria linha. Assim como no meu caminhar e meus espaços em branco na agenda, que muitas vezes são preenchidos pelo acaso. É que se eu não escolho, algo me escolhe. A confiança é coisa a se trabalhar.”

Começamos a enxergar a qualidade dos fazeres: fazeres com e sem sentido, pois, como artesãos de nós mesmos/as que somos passamos a buscar caminhos que promovam sentido – sentido esse que nasce da presença, da atenção, do que tem afeto humano, do olhar para si e para o que acontece, da consciência. É este percurso que oferecemos no Caminho do Autor. Para quem busca encontrar o artesão em si, que se cria a partir de fazeres humanos.  

Venha caminhar conosco por fazeres artesanais e num processo profundo de autoconhecimento! A terceira edição do Caminho do Autor começa dia 28 de agosto de 2019. Confira mais detalhes e reserve seu lugar: https://www.revolucaoartesanal.com.br/o-caminho-do-autor/

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!