A importância de nos fazer e aceitar novos convites

Às vezes nos falta vontade de fazer até o que mais gostamos. Talvez estejamos precisando de novos convites para retomar o fluxo

Não peguei mais numa agulha e linha”, foi o que uma amiga de Ciça disse quando ela perguntou como estava nos últimos tempos. Costureira de mão cheia, que sempre fez tudo com tanto esmero e entusiasmo, agora se sentia paralisada diante do fazer que antes lhe trazia tanto sentido. Ela não está só. Com a pandemia se arrastando por mais de um ano, o impulso inicial de se dedicar a diferentes fazeres, de se aventurar nas manualidades, ou de aprender a tocar um novo instrumento e até a alegria de fazer pão com as próprias mãos parece que foi perdendo o fôlego…

Isso não significa que os fazeres perderam o sentido, mas que nós temos sido atravessados por emoções que nos confundem diariamente: dificuldade de concentração, sensação de vazio, de estagnação, solidão, falta de energia… E essa confusão nos faz sair do eixo, do fluxo e perder a motivação para fazer até o que nos traz prazer. Especialistas em saúde mental têm discutido recentemente sintomas e impactos da “fadiga pandêmica” e do menos recente “definhamento” (cunhado pelo sociólogo por Corey Keyes no início dos anos 2000). Esse estado de falta de prazer, bem-estar e brilho não é depressão, e sim languidez – um lugar onde simplesmente não conseguimos florescer, seguir em frente, pois lá no fundo nos sentimos sem esperança e sós.   

Para nos mover dessa areia movediça de sensações, é importante nos fazer e aceitar novos convites. O primeiro deles talvez você já esteja recebendo aqui, ao ler este texto, reconhecendo que não se trata de preguiça, nem de culpa sua, e sim que há questões e emoções que têm afetado de fato seu modo de ser e viver. Saber que há nome para isso já pode, por si só, trazer um certo conforto. Em seguida, talvez seja o momento de olhar ao redor: que pessoas e espaços estão se abrindo para te receber, te nutrir e ajudá-la/o voltar a florescer?

Estar em companhia de outras pessoas com um objetivo em comum (não necessariamente o mesmo) pode reacender a chama do que te move, te relembrar de quem você é aqui e agora, do que está vivo em você. Na Revolução Artesanal temos compartilhado encontros de prática de fazeres manuais e percebido o quanto esse esforço de estar em grupo, mesmo online, é recompensador, não só pelo que nasce de nossas mãos, mas sobretudo pelas trocas do que essa prática ativa em cada um de nós – inclusive, o reforço de que uma revolução não se faz só –  especialmente uma revolução como a nossa requer tanto o contato com o que nos afeta, quanto com quem compartilha dos mesmos afetos e visão de um mundo feito à mão, que valoriza o que é sustentável, diverso, singular, respeitoso, local, coletivo…

Com convites assim, nós, fazedores artesanais, criativos e manualistas nos apoiamos a voltar ao fluxo vivo da criatividade, imaginação e realização com sentido. O estado mental de fluxo (ou flow), como especialistas chamam a sensação de perder a noção do tempo e espaço ao ser absorvido/a por alguma atividade, para nós é um estado integral onde corpo-mente-emoções voltam ao seu estado original sem divisões ou distinções de conceitos. Com esse convite de volta ao fluxo, nos tornamos um com o que fazemos com nossas próprias mãos e nos tornamos um com o coletivo que também está imerso na cultura artesanal – desde nossos ancestrais até nossos contemporâneos. Recobramos nossa humanidade.

Por isso, aqui na Revolução Artesanal, seguiremos fazendo convites para conversas e fazeres vivos. Pois precisamos nos lembrar de quem somos e do que estamos criando, juntos, no presente.

Vem aí o Festival do Fazer 2021. Aguarde! Em breve te enviaremos mais este convite.

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Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni

Referência:
Grant, Adam. El malestar que sientes tiene un nombre: se llama languidez. NY Times, 21 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.nytimes.com/es/2021/04/21/espanol/covid-estado-animo.html?smid=url-share>

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!