Do aprender e ensinar nasce o Lab Cor da Floresta

Relato por Ciça Costa a partir dos dias vividos na Comunidade Tumbira
e uma observação viva de onde nascem as cores

Um dia a vida me deu uma casinha na floresta. Lá na Comunidade do Tumbira – RDS Rio Negro – Amazonas.

Essa casinha na floresta se deu pela relação que se estabelece com as pessoas daquela comunidade, com a floresta, com os seres encantados. Realizando alguns projetos naquela comunidade, nasce o desejo de habitar aquele lugar, de permanecer. Só o desejo não bastava, eu estava em uma reserva de desenvolvimento sustentável a as pessoas da comunidade precisariam desejar e aceitar também minha estada lá. E assim se deu, depois do terceiro projeto, a comunidade permitiu que tivéssemos um espaço para habitar e assim nasceu a casinha na floresta e assim efetivamente passamos a pertencer àquela comunidade.

Acredito no caminhar da vida que se faz pelo nosso fazer, pelas relações que criamos, pelo respeito para com a vida, pelo nosso olhar para o que é vivo, nas sementes que plantamos e colhemos. Não posso deixar de pensar que em minhas mãos, eu tenha sementes privilegiadas. Nessa linha de pensamento, não canso de semear, cada vez mais longe para que as sementes se misturem e que juntas possamos adubar, regar e assim cultivar mundos bons.

Venho de uma família fazedora, fazedora com as mãos, com habilidades manuais. Essa habilidade manual se dá na relação que estabeleço com o fazer, de criar, de ser autora, de ser responsável pela construção do meu caminho, de me fazer enquanto faço algo com minhas mãos, não olhando somente para o objeto e sim para o processo desse fazer que me faz.

Sempre gostei muito de tingimento em tecidos e muito pesquisadora das tinturas naturais/vegetais, da extração da cor das plantas, folhas, cascas. Estar no Tumbira é estar dentro da floresta. Um lugar imensamente vivo para fazer, aprender, cuidar, viver. Lá começo a entender que as cores nascem a partir da relação que temos com a natureza. Se olharmos para uma mangueira, vemos uma árvore frondosa, com frutos deliciosos. O processo de extração da cor da mangueira se dá a partir do momento em que começo a me relacionar, interagir com essa árvore. Da poda que faço de suas folhas e galhos, do picar e deixar de molho, do ferver e coar então surge o amarelo. E, no preparo do tecido, nas amarrações e na imersão da tintura, surgem no tecido os desenhos em forma e cor.

Em todo esse processo não basta somente extrair a cor e tingir, é preciso compreender os ciclos da natureza, os saberes locais e a relação entre os conhecimentos trocados com as pessoas daquele lugar. A partir dessa relação [com as pessoas da comunidade], aprendo que determinas plantas soltam tinta, que da goiaba de anta é preciso pegar a entrecasca, do murici a casca do tronco, do crajiru a cor só sai se colocarmos as folhas para secarem e a casca do macucu de sangue quanto mais seca, mais tinta solta. Para os moradores daquela comunidade, ensino que essa tintura pode ser fixada em tecidos, que é possível criar formas, que é possível estampar folhas.

Desse ensinar e aprender nasce o Lab Cor da Floresta, um convite para as pessoas viverem, conhecerem a floresta a partir desse lugar de onde nascem as cores. Desse lugar de descobrir e se descobrir na floresta. Desse lugar da relação entre seres vivos, humanos e não humanos, de que isso acontece porque estou lá e em relação e que as cores só nascem de onde há vida.

E assim, vemos as cores nascerem. Do respeito à natureza e dos saberes de todos os envolvidos. Da conexão dos fazeres artesanais e das mãos que transformam folhas em cor. Do aprender fazendo que nos permite fazer, pensar, criar para então continuar a fazer, pensar, criar nos colocando assim, em movimento para ir além de onde estamos. As cores nascem da troca de sabores, saberes e fazeres entre diferentes culturas. Do conhecimento que se transforma em sabedoria, em cuidado, em respeito à vida que transforma a sociedade a partir do humano, da inteligência humana com a inteligência viva da natureza, da floresta, das águas, dos seres encantados…

É na relação que encontramos um espaço de aprendizado e transformação, onde cada um de nós pode se descobrir e se conectar com o outro de maneira mais profunda.

Precisamos cada vez mais promover encontros com pensamentos e saberes vindos de outros lugares. Precisamos cada vez mais aprender a dialogar, a ouvir, refletir e respeitar o que é vivo. Encontrar maneiras diferentes de ver a realidade e que todas elas apontem para o mesmo lugar… a vida. E, que possamos escolher os vários caminhos que nos levem a uma visão mais ampla da vida, do mundo, de nós mesmos nos engajando na transformação de realidades por meio do respeito, do aprendizado, do cuidado e da colaboração.

Deixo aqui um convite para que todos nós, como parte dessa teia de vida, nos engajemos na transformação de realidades entre todos os seres vivos.

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Lab Cor da Floresta
13 a 19 de janeiro/2025
Comunidade Tumbira :: Amazonas :: Brasil

Inscreva-se aqui e/ou entre em contato 11 999738603

www.revolucaoartesanal.com.br

 

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ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!