A escuta artesanal

A audição e a escuta artesanal
(por Melissa Migliori)

“Ouvir é diferente de escutar.

Nosso ouvido nos dá uma capacidade de audição, maior ou menor. A escuta é uma construção. Uma construção artesanal, sua, própria, sensível.

Ao quê nossa escuta é atenta? O hábito de se visitar, saber de si, como está se sentindo nas diferentes situações vai ensinando-nos a nos escutar. Aprendo a escutar meus pensamentos, meus sentimentos.

Quando começo a fazer com as mãos, é quase impossível não visitar o espaço imaterial de mim, onde estão porções minhas mais sutis. Quando isso acontece, no fora, por muitas vezes, é silêncio. No por dentro, uma grande escuta.

Esse hábito, afina minha sensibilidade e vou aprendendo a escutar sentimento, a escutar pensamento. E não só os meus!

Existem muitas falas com ausência de som verbalizado. Um olhar fala muito alto. Um semblante diz muito. Um momento que fala por si. Fala para quem? Para quem puder escutar o que ele tem a dizer!

Vem para o corpo, ampliar sua escuta! O fazer manual estimula diretamente essa qualidade de conexão e presença.”

 

Uma grande escuta acontece quanto encontramos tantos e tão diversos.

Em um festival o grande resultado não é o de quantas pessoas aprenderam coisas novas ou de quanto foi o impacto de audiência.

O festival se não for um grande ouvido social, que permite as falas, silêncios e escutas ele deixa de exercer o seu maior objetivo, gerar encontros que alimentam a alma, a sociabilidade e a sociedade.

Esse escutar passa a ser premissa de todas as atividades, escutamos histórias de vida, conquistas de cada um ao realizar um produto de uma das oficinas, escutamos sobre a possibilidade de um mundo feito à mão, nos escutamos.

Escutamos pela diversidade, pelo plural, pelo singular, pela legítima curiosidade e em relação, sempre se colocando em encontro ao outro.

E então escutamos sobre a vida, sobre o nosso lugar na vida. Escutamos que o mundo importa, que ele não aguenta mais a mesma relação que estabelecemos com ele até agora, escutamos que o cuidado, o real cuidado que nasce de uma relação de afeto, é necessário e artesanal.

Atentamos sobre nossa produção, sobre como ela precisa e passará a ser em menor escala, com outros materiais possíveis, assim como chamamos a atenção para o nosso corpo, mão e tato como ponto de sentido de existência.

Ao realizarmos um festival o campo do manual e artesanal escuta e quando escutamos começamos a identificar questões de atuação como cuidado, articulação de saberes entre parceiros, entre fazedores e como nos fortalecemos no sentido de pensar movimentos. Um lugar de saber que não estamos só, somos muitos e podemos sim fazer muito com nossas mãos.

É assim que fazemos, essa é a nossa revolução, e sim artesanal, criando pontes, te chamando a escutar o fazer com sentido, com significado, com o corpo, com as mãos, consigo, com o outro, com o mundo.

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Escrita artesanal por Melissa Migliori, Bruno Andreoni com a Revolução Artesanal

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!