Processos criativos e criação

A criação é um processo natural, da semente nasce a nova planta, da construção e do encontro de duas partes nascem os seres vivos, a criação deste nascer, embora nos seja brevemente explicada, ainda é um dos mistérios da natureza, assim como nosso processo criativo e o ato de criar algo, também é um momento único, misterioso e mágico. Podemos brevemente explicar, mas a nós, seres humanos, também foi dada a consciência e com ela a possibilidade de compreensão sobre os fatos.

Passamos então a compreender que processos criativos e criação são atividades do corpo e do pensar, quando estamos em um processo desse tipo, se separarmos o pensar do corpo a ação não se realiza e a criação não se faz. O corpo neste sentido não é mero executor de uma atividade, ele é pensante, inteligência, e o pensamento é uma atividade que se relaciona diretamente com os sentidos (humanos) e com os significados gerados a cada movimento. 

Podemos entender que em processos criativos estamos, internamente, criando um jeito de pensar que é em movimento, que é não calculado e não esperado, que têm intenção e busca de consciência constante sobre os movimentos. E, Externamente estamos dando forma a algo, transformando matéria em um objeto, em uma expressão própria da beleza, em arte.

Criamos algo que vem cheio de sentido e de forma, que nos leva junto em seu produto final e nos transforma enquanto transformamos a matéria. Aprendemos ao longo do processo artesanal que somos parte do processo e ser parte disso  é nos trazer em nossa força e consciência.

O processo criativo é parte de todo esse compreender de habilidades, aprendizados e autoconhecimento. Nele, acontecem vários momentos em que precisamos entender a situação, pensar soluções, criar novos caminhos e isso acontece em meio ao movimento do corpo e das mãos e a uma atividade quase que relaxada da mente. 

Não é muito incomum escutar em oficinas e processos como o do Caminho do Autor a frase – Nossa, quando desprendi da minha angústia e do meu planejamento, então o bordado fluiu e aqui surgiu esse lindo painel, eu vejo sim características daquilo que eu pensei e planejei, mas vejo também como eu fui me apropriando do material e da matéria e dando forma à esse bordado conforme eu fazia.

Existe uma parte de mim que acredita que todo nosso manifestar, sendo ele único e portanto artesanal é assim, um processo que modifica o plano inicial ao mesmo tempo em que permite a criação se manifestar. É como se compreendêssemos a variável do caos como parte do processo de manifestação daquilo que somos e daquilo que colocamos no mundo como forma de trabalho e de relações. E é nessa variável que outras relatividades aparecem, como por exemplo, a percepção do tempo.

O tempo em um processo criativo passa a não ser medido pelo relógio e seus ponteiros, ele é um estado de concentração e de interação com aquilo que está acontecendo no momento, no geral o tempo do processo criativo e de criação é o tempo do agora. Agora você está fazendo com as mãos, agora está acontecendo aquela reunião. E o agora é o estado mais efêmero e de maior conforto para nós. 

É neste tempo do fazendo, da ação, da transformação, que o tempo é transferido para dentro de nosso corpo. É neste tempo interno que os processos acontecem e não no tempo externo das horas e do controle e com ele o processo de compreensão se dá como um aprendizado, tudo neste movimentar de corpo e mente juntos gera uma marca interna de aprendizado aplicado, afinal aqui nesta entrega de realizar algo, acontecem inúmeras tentativas de acerto e erro e assim vai se formando no indivíduo a sua forma única de realizar aquele feito, pois todo esse processo de aprender é único, singular e pessoal.

Assim como o  tempo é relativo, os gatilhos do processos de criatividade e de criação também o são: “nossa, quero muito fazer o bordado, minha vó fazia cada um, quero estar mais perto dela. […] Nossa, como a borracha é macia e fácil de usar, o carimbo saí rapidinho.

Em todo processo existe um gatilho, algo que chama, puxa. Pode surgir uma questão, um problema, uma inquietação, um material, uma memória, um afeto. Este gatilho é a forma por onde o processo começa. Na verdade, é por onde somos instigados pela nossa relação com o mundo e, sem se importar ou sem se incomodar, nada de criativo nascerá. Aqui o afeto tem sua casa, é a partir dele que nasce a relação. Para cada pessoa, a relação com o material, ferramenta e com as memórias é diferente, essa relação que muitas vezes não é clara, é por vezes determinante do processo de criação.

Todo processo criativo passa por algo lúdico, mexe com as possibilidades e pede de nós mesmo um certo grau de proximidade com a nossa energia de brincar, de se divertir com o processo. Essa energia de brincar é a de deixar fluir de apreender algo, como uma ideia, uma possibilidade, que não necessariamente seja a definitiva. 

Este brincar, pede que o percorrer do processo seja de nos aventurar dentro e fora daquilo que estamos olhando, não chega a ser um simples brainstore, mas sim um verdadeiro e sincero brincar de possibilidades, de imaginar e de iniciar ações e pensamentos que não necessariamente irão para frente, chegarão a um fim, mas são parte exploratórias de nossa compreensão daquilo que estamos vendo e transformando e também de nos conhecermos em nossas capacidades, habilidades e limitações.

De um tempo pra cá tenho gostado muito de fazer as coisas com as mão, tem me dado muita alegria e quero cada vez mergulhar, sem compromisso. Com o bordado tenho uma ideia na minha cabeça, às vezes não sei muito bem o que é e vai vindo, depois de um tempo, vou vendo que as coisas que eu bordo tem a ver comigo, ou se repetem.
(Caminhante do Caminho do Autor)

Quando estamos diante de um pedaço de argila e nos é pedido que seja construído um pote, o barro não nos fala, às nossas mãos e ao nosso pensar, tão pouco, como esse pote será. É na ação de manusear a argila, de começar a dar forma e de brincar com o apertar e o amassar que começa então a ter uma ação de criação. Ou seja, parte daquilo que faz o pote nascer é o movimento, a tensão entre amassar e alisar, pensar e agir, intencionar e se deixar fluir. Um pote não se faz pelo pensamento, e também não se faz sem o pensar – é necessário ter uma imagem de pote dentro de cada um para que ele surja – e é com a ação das mãos com o barro que o pote final irá se fazer e ele, sendo um processo legítimo de criação, carregará como marca o seu AUTOR.

Olhando para as peças que criei ao longo do percurso, tem aqui um feminino querendo aflorar com força, aceitação, acolhimento, acreditar que está tudo bem do jeito que está, no momento que está aqui e agora… deixar vir de forma fluida. Pela primeira vez, com a argila, fiz algo completamente mergulhada, do processo, se revelou uma concha que cuida, que é fluida. Não está acabada mas está acabada como está.
(Caminhante do Caminho do Autor) 

Ser Autor é trazer autonomia, é encher-se de orgulho, é se sentir parte de si mesmo e também do resultado daquilo que foi criado pela ação e pelo pensar.
Ser Artesanal é saber que não existe somente um jeito de fazer e atuar, o que existe é um jeito próprio. Se entender como autor é uma sensação e um sentimento de poder, é também uma fase importante do processo de criação, pois é a partir dele que nasce a relação e o compromisso quanto ao seu impacto no mundo. Uma ação carregada de processo e de consciência sobre ele é uma ação que permite a outros encontrar o autor, e sua marca.

Reflexões e notas a partir do Caminho do Autor e de oficinas artesanais

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Escrita Artesanal por Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!