Sobre formas artesanais não óbvias
O que você imagina quando lê e ouve a palavra artesanal? Talvez sua mente te leve para uma cena lugar-comum como esta: uma pessoa sozinha, geralmente mulher e madura, debruçada sobre uma mesa ou sobre o próprio colo, com ferramentas e materiais de que precisa para seu fazer manual. Quem é? Uma bordadeira, uma costureira, uma cozinheira, uma aquarelista, uma ceramista, uma escultora…? Talvez já tenha desfeito essa imagem feminina e lembrado daquele moço da televisão, tão valorizado hoje em dia como exemplo de homem que faz de tudo em casa, construindo suas facas, tecendo seus crochês, colhendo e fazendo suas refeições caseiras. Ou será que sua memória te levou para algum ente querido que se dedicava e vivia de seus fazeres manuais?
É, pode ser que a cena artesanal mais comum esteja ambientada no espaço de uma casa, de uma oficina, de um ateliê… Esse é o contorno habitual da história dos artesãos que conhecemos. E como contornar vem de estabelecer limite em algo por meio de uma linha, que tal se puxássemos o fio do novelo da palavra artesanal? Vamos alinhá-la num lugar não óbvio…
Quais qualidades artesanais você percebe nos cenários de tecnologia de ponta e nos ambientes corporativos? Em nossa trajetória profissional nesses espaços, cheios de metas, prazos curtos, demandas, listas intermináveis do que fazer, equipes a gerir, treinamentos, planilhas e relatórios é comum não vermos o artesanal em ação ali. Achamos que ele está em outro lugar “do lado de fora”, que é “um hobby”, para quando “tiver tempo”, “quiser relaxar”, “puder se dedicar ao seu plano B”. E, sim, o artesanal pode ser um momento de lazer, mas hoje queremos trazer o artesanal que já acontece no plano A e que nos passa despercebido.
O artesanal habita no modo de fazer o que se faz. O que implica cuidar dos modos de ver: a si mesmo, ao outro, ao fazer e ao contexto. O trabalho artesanal é aquele que se implica, envolve-se, cria sentido, relaciona-se. É um modo de trabalhar conectado, não exclusivamente ao wifi e às demandas e contornos externos – isso é estar no “modo alerta”: à espera do próximo e-mail, da próxima reunião, da próxima ordem do gestor, do presidente, do mercado, do cliente… -, mas um modo de trabalhar ligado no que acontece também nas engrenagens internas, no que se passa consigo no fazendo, na intenção e no que vai manifestando por meio do seu trabalho.
É possível ser artesã/o em todas as profissões. Porque o artesanal é a prática que deseja a transformação no sentido genuíno: mudar de forma. Está na atuação diária de quem cuida de modos de ensinar, governar, gerenciar, advogar, medicar, analisar, programar… e todos os verbos de ação que expressam os múltiplos fazeres profissionais. Só que, às vezes, a gente não se dá conta de que estamos criando outros contornos para formas que nos são dadas.
É para despertar esse potencial artesanal que já te habita que propomos processos como o Despertar do Fazer(se) e, agora, o Manifestar – um olhar para o ano em que vivemos [em breve]. Porque acreditamos que o artesanal não se trata exclusivamente de aprender técnicas, nem de promover autoconhecimento por meio de uma meditação ativa, mas de acender o olhar e a prática artesanal em tudo o que você faz.
Porque o que você faz é manifesto. E manifestar a partir de si é gerar transformação.
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Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa e Bruno Andreoni.