Refazendo futuros

No encontro com projetos engavetados

Estes tempos atípicos têm revelado muito de nós. O chamado à pausa e à reinvenção convidou muitos a entrar em contato com o artesão que habita cada um de nós. Porque artesãos não são apenas os artífices que trabalham professando suas artes, nem só os aprendizes, que se dedicam ao fazer artesanal por estima e desejo de desenvolver uma habilidade. Humanos que somos, encontramos nos fazeres manuais modos de:

  • cuidado de si e do ambiente;
  • aprender e ter autonomia;
  • apreciar a beleza das coisas;
  • botar a mão na massa (literalmente, inclusive);
  • expressar nossa arte e talentos; e, principalmente,
  • criar!

Criar é nossa forma de fazer sentido no mundo. É por isso que temos tantas ideias, fazemos planos, imaginamos possibilidades, que por vezes acabam se acumulando nas gavetas à espera do tempo oportuno ou de “mais” tempo para se concretizarem. Será que esse tempo chegou para você? 

O artesão é também um colecionador: de referências, objetos, materiais, memórias, histórias e projetos. E a coleção é um ato criativo quando é exposta ao olhar alheio, quando sai da gaveta e renova o mundo velho com o olhar do tempo presente. Walter Benjamin conta dessa arte do colecionismo quando está “Desempacotando sua biblioteca”: “Renovar o mundo velho – eis o impulso mais enraizado no colecionador ao adquirir algo novo.” (Benjamin, 1987, p. 229)

Ali ele fala do lugar de quem coleciona livros e renova sua biblioteca ao trazer um item recém-chegado (que pode ser uma leitura nova, um livro antigo, não necessariamente “novo”). Podemos fazer o paralelo com nossa disposição diante de nossa coleção particular de ideias. Qual o seu impulso diante de seus projetos colecionados?

Você visitou aquele projeto que estava na gaveta há meses ou anos? Se sim, você desapegou, desengavetou ou renovou seu projeto? Caso não tenha vivido esse encontro, pode ser o momento de avaliar se falta mesmo tempo ou se falta sentido para tirar essa ideia do papel. Entrar em contato com projetos arquivados envolve revisitar o passado com olhos do presente desejosos de refazer futuros possíveis. 

Aquele futuro potencial engavetado ainda faz sentido? Será que sua reinvenção para os tempos atuais está mais perto e é mais íntima do que você imagina? 

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Escrita artesanal por Carolina Messias, com Ciça Costa e Bruno Andreoni.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!