Ouvimos recentemente, num podcast, que não somos o que está dentro de nossa cabeça, mas aquilo que colocamos pra fora e como fazemos as pessoas se sentirem. Nessa perspectiva, valoriza-se mais o que se faz (conduta, comportamento e ações) e como se faz o que se faz (relação com o fazer e com as pessoas). Uma questão que fica dessa reflexão sobre quem somos é o limite desses fazeres que colocamos pra fora e suas raízes tanto internas, ou seja, o que move o indivíduo nessa produção, quanto contextuais, as origens e os impactos desse fazer no mundo.
Na sociedade de desempenho em que vivemos atualmente, “fazer” é um verbo cada vez mais valorizado: ter atitude, tomar as rédeas da situação, ter iniciativa, resolver coisas, “vai lá e faz” costumam ser ligados a pessoas de ação, positivas, que não perdem tempo com “mimimi”. O fazer aqui é ligado ao desempenho e à performance, que trazem diversos efeitos colaterais quando ultrapassam um limite saudável (estresse, burnout, depressão, insônia, problemas cardíacos, processos inflamatórios… – a lista é longa, infelizmente). O limite desse fazer do desempenho está no abandono do próprio eu. Quando o indivíduo deixa de fazer algo com sentido e passa a fazer mecanicamente, ou ainda quando percebe que seu fazer está na contramão do que conscientemente valoriza e deseja conservar e cultivar, o fazer do desempenho torna-se seu algoz.
Uma das propostas da Revolução Artesanal é prevenir esse abandono do eu por meio da reflexão de um fazer artesanal salutar. Isso porque a repetição do fazer manual e demandas do mercado (participação em feiras, entregas urgentes e necessidades financeiras) também podem levar à exaustão e fazer esse fazer perder sentido. Independentemente se a pessoa é artesã por profissão, por hobby ou está começando a explorar o universo manual, acreditamos que o olhar para o processo e o contato com as raízes do fazer são os caminhos para um fazer salutar e consciente.
Em vez de colocar para fora apenas um artesanATO, expressão de uma ação, por que não oferecer ao mundo a beleza da singularidade de todo o seu processo ARTESANAL? Singularidade que é expressa sempre em relação às raízes plurais desse fazer: sua história, ancestralidade e modos de fazer.
O fazer artesanal tem mais a ver com expressão de identidade(s) do que com performance, pois tem a ver com escolhas, com experimentação e embate com o desconhecido.
[…] Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
“Identidade”, de Mia Couto em Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Para você que busca existir nesse desconhecido de si e nascer no mundo onde luta, convidamos a participar do Mini Festival do Fazer – Raízes Artesãs! Um evento com oficinas que vão trabalhar as raízes do fazer humano e colocar você em contato com as suas próprias raízes. Você vai aprender o processo de fazer:
- Tingimento Natural
- Pães
- Colher de Pau
- Fiar Manual
- Xilogravura
- Potes de argila
E também terá espaço para conversar sobre o processo artesanal e ampliar sua perspectiva sobre o que há por trás dos fazeres e os artesãos que somos de nós mesmos.
O Mini Festival – Raízes Artesãs acontece dia 2 de novembro, das 9h30 às 19h, na Vila da Terra :: Av. das Corujas, 456 2º andar | SP. Evento para todas as idades. Garanta sua vaga!
Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni.
Referências
Dias, C. “Quem sou eu?” Podcast Boa Noite Internet. Episódio de 6 out 2019.
Han, B.-C. Sociedade do cansaço. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2017.