Como nasce o amarelo?

A transformação que acontece para além da mistura de cores

A gente aprende que o amarelo é uma cor primária que existe na natureza, e que se vê como pigmento ou luz. A gente aprende que amarelo é a cor que simboliza ouro, sol, felicidade e que era a cor preferida de Van Gogh. A gente aprende e apreende tudo isso sobre essa cor, mas não experiência a transformação de algo em amarelo.

O amarelo não surge porque a gente quer fazer a cor. A cor acontece como resultado da interação e troca de conhecimento entre humanos e a natureza. O Laboratório de Cores da Amazônia, que realizamos na Comunidade Tumbira (AM), renova nosso olhar e experiência com as cores, que surgem da vivência com corantes naturais, tingimentos, aprendizados naturais e ancestrais. Junto à comunidade ribeira do Rio Negro, aprendemos que há uma planta que libera uma resina com pigmento amarelado, aprendemos que, para obtê-lo, não basta simplesmente “pegar” a resina das árvores. Com isso, relembramos que a natureza não é um objeto ou posse, e sim que fazemos parte e nos relacionamos com ela. Trocando saberes com a comunidade, aprendemos qual o tempo da árvore, quando ela produz a resina e quando não é hora de extraí-la.

Mas não basta extrair a resina, a beleza do nascer do amarelo está no processo de compreensão dos ciclos naturais e dos saberes locais e na relação entre os conhecimentos trocados entre os envolvidos. Os membros da comunidade Tumbira nos ensinam sobre a natureza e as técnicas de extração da cor e também acolhem nossos conhecimentos para criar formas, desenhos e colorir tecidos: cozinha, prepara o tecido, prepara a técnica para tingi-lo (dobrar, amarrar, costurar, shibori, tie dye, batik, carimbo, impressão botânica…).

Assim nasce o amarelo. Da transformação da resina de uma planta na surpresa da criatividade e aplicação no tecido. Da união e prática de técnicas em prol de um fazer. Do respeito à natureza e aos saberes de todos os seres. Da nossa capacidade humana de imaginar, criar e realizar. Da nossa conexão por meio de fazeres artesanais, que transformam resina em pigmento amarelo, conhecimentos em sabedoria, aprendizado junto em comum unidade, que transformam a sociedade a partir do humano.

Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa.

 

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!