Por um mundo artesanal sem resíduos

O lixo como sintoma, o resíduo como solução.

Toda vida gera resíduo, todo ser vivo deixa um rastro. A diferença entre nós e eles é o lixo.

Lixo é tudo o que descartamos sem condições para reaproveitamento, seja pela indústria, pelas pessoas ou pela própria natureza. Lixo é aquela mistura jogada dentro de um saco preto que vai ser transportada e destinada em enormes áreas de disposição (aterros, no caso de São Paulo, lixões, na maioria do Brasil), onde enterramos os materiais mais diversos: plástico, papel, restos de aparelhos eletrônicos, roupas, sapatos, metal, fraldas, comida.

90% disso tudo poderia ser riqueza se continuasse a circular na economia ou na natureza (para onde deveriam voltar nossos restos de alimentos).

Ao escrever estas palavras, lembro da visita feita ao Aterro Sanitário de Santo André em 2018 e das aves (urubus e pombas) insistindo em acessar aquela montanha de lixo. Elas querem fazer aquilo circular na natureza, mas já é tarde demais. Os pássaros eram afastados com estampidos aqui e ali, numa tentativa quase patética de evitar a contaminação das comunidades de entorno do aterro, onde as aves costumam passear. Elas enxergam riqueza ali onde nós parecemos só ver… lixo.

Os números são assombrosos. 20 mil toneladas/dia em São Paulo, com contratos assinados pelo setor público e pagos com nossos impostos chegando a R$2 bi por ano, o equivalente a 17% de todos os recursos gastos com saneamento básico no Brasil no ano de 2016!

Você pode pensar que são vícios do setor público, pode xingar até, mas não se deixe enganar com o velho “a culpa é do governo”. Nesse caso, a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) aprovada em 2010 depois de 20 anos tramitando no congresso é muito clara. A responsabilidade é compartilhada! Quer tirar a prova?

Observe um único dia na sua vida. Desde a hora em que você escova os dentes: embalagem plástica; desodorante: embalagem plástica; o pão, na melhor das hipóteses: papel; o detergente sobre a pia: plástico; a esponja: uma mistura de materiais quase impossível de reciclar. Resíduos, resíduos, resíduos por toda parte e a base da mudança está na forma como consumimos, utilizamos e descartamos esses materiais.

Delegamos quase tudo em nossas vidas. Comida a mais pronta possível, cosmética vendida com as garantias da indústria, alvejantes, plásticos-filme, brócolis na bandeja de isopor. A busca da praticidade se sobrepôs à visão de todo e à percepção de consequência. Uma pergunta simples como “de onde vem e para onde vai tudo isso?” coloca em xeque nossa suposta inteligência coletiva.

Então fazer o quê? Recuperar o fazer artesanal, entre várias outras atitudes.

Nós da Casa Causa, começamos na lavanderia, repensando os produtos de limpeza e voltando a fabricar alguns deles em casa como nossas avós. (Voltar no tempo, nesse caso, pode ser uma evolução). Detergente, sabão para máquina de lavar, tudo isso pode ser feito em casa e envazado muitas e muitas vezes na mesma embalagem. Mas isso é só um exemplo. Consertar, reformar, cuidar, reaproveitar, separar os resíduos, tudo passa pelo fazer manual e por uma revolução silenciosa provocada pelo olhar atento aos materiais existentes na nossa vida.

Isso não exime nem a mim nem a você de exigir políticas públicas e acompanhar a evolução do nosso município, estado ou país, em relação aos resíduos, é claro! Mas nos dá legitimidade para falar sobre o tema. Saber o que consumimos, como cuidamos e descartamos e ter consciência de que o lixo é um sintoma do nosso modo de pensar e viver, faz de cada cidadão um cuidador dos resíduos. Eles podem ser recurso dentro de casa, com mil reaproveitamentos criativos, ou para alguém na nossa cidade; talvez para aquela pessoa que acabou de passar por você puxando uma carroça cheia de papelão e para quem o resíduo não é um problema, mas uma solução.

Na próxima edição do Festival do Fazer – um mundo feito à mão, dias 7 e 8 de junho, nós da Casa Causa vamos fazer a gestão de resíduos do evento e estaremos com uma roda de conversa sobre O Lixo nosso de cada dia e o que é possível e simples de fazer dentro de nossas casas para cuidar de nossa casa-planeta.

Nas Oficinas do Fazer Manual, os Oficineiros irão propor atividades como os retalhos que contam histórias, a cosmética sem embalagem, eco bolsa de banner, hortas para pequenos espaços, banquinhos de madeira a partir das paletes, artigos de resíduos de couro, monstrinhos para as crianças e todas as outras que dizem deste universo de reutilizar, recriar, reaproveitar neste mundo feito por nós.

Você já escolheu em qual oficina irá participar?!  Acesse o link, inscreva-se e participe! #PorUmMundoFeitoaMão

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!