Fazer Manual: a beleza de criar formas

As coisas para existirem não precisam ter um nome, precisam ter uma forma.

O nome é para a mente. A forma é para abarcar uma existência.

Ter uma ideia e sentir vontade de pô-la em prática faz parte da eterna pesquisa do artesão. Ter uma ideia é estar com o pensar vivo, estar atento aos afetos que suscitam perguntas. Uma ideia nasce a partir de um modelo interno. Todos temos acesso a uma fonte arquetípica de modelos vivos a serem expressos.

Os arquétipos são um princípio ativo mutante. Uma essência e infinitas expressões. Um e muitos ao mesmo tempo.

Se estamos atentos a isso, aprendemos que um processo vivo de pensar mora nas perguntas. E nossa eterna pesquisa do fazer, que busca respostas na prática, sempre com novas perguntas, é orgânica e aprende a redefinir limites sempre que necessário. Os limites tornam-se expressões da forma.

No momento da criação manual não dá para prever o resultado. Há um hiato entre vislumbrar o modelo interno da inspiração e a esfera da materialidade. Esse “hiato” é como uma fenda sináptica que recebe toda a informação através do impulso elétrico, mas que se lança e habita por alguns instantes um espaço vazio, e atravessa buscando novas conexões. Nosso trabalho é aprender a ocupar e atravessar esse espaço que vem da inspiração para a ação, harmonizando cada vez mais intenção e gesto. Um alinhamento energético, emocional e físico – material. No alinhamento, habitamos o espaço para o tempo atravessar e trazer a forma.

Sem esse espaço de encontro não existiria criação.

Criar uma forma é diferente da padronização. O padrão é uma convenção, estabelecido a partir de fora pelas conveniências. Nesse caso o modelo é fechado, não há questionamentos e sim uma acomodação na repetição de respostas já encontradas anteriormente, seja por você ou por outros. Nesse contexto, os limites tornam-se tolhedores, fonte de julgamentos e reclamações.

O que passa a existir “fora” de nós, torna-se real. Essa é a força do fazer, cria materialidade. Quando algo passa a existir, ganha massa, forma, ocupa espaço. E, no espaço que ocupa, sua história de vida se abraça com o tempo.

“Um espaço só existe para nós, de fato, se o ocupamos, se nos manifestamos dentro dele. O nosso corpo material ocupa e se manifesta no espaço material do planeta Terra, que é o espaço adequado para se manifestar.” (Halu Gamashi).

Essa é a beleza de criar. Na materialidade do nosso fazer desenhamos a vida, ocupamos os espaços e vivemos no tempo.

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!