Um dia do fazer com a Cultura Indígena do Alto Xingu

Em uma roda de conversa, começa o dia ao lado de Anna Terra Yawalapiti e sua filha Iamony.

Dentro de uma sala de aula, alunos da FAAP e convidados ouvíamos e víamos atentamente Anna contar sobre a arte de seu povo e de como é a vida em sua aldeia no Alto Xingu. Com seu tom de voz calmo e presença nos mostra os desafios que seu povo enfrenta para manter sua identidade. Das 16 etnias que vivem no Xingu muitas perderam sua identidade cultural e o povo Yawalapiti está lutando para resgatar e manter sua língua mãe. Hoje, em sua aldeia, somente 3 homens, 2 mulheres e 2 crianças falam a língua Yawalapiti.

  

A cada peça dos trabalhos manuais que Anna nos apresenta vamos descobrindo suas preciosidades, singularidades, sentido. O tucum utilizado para fazer colares, pulseiras trazem a proteção. O colar de caramujo, joia do Xingu, é utilizado como dote na união de duas pessoas. A cerâmica, com seu poder de terapia, traz em suas peças a energia de quem a faz e as miçangas que vem de fora da aldeia são tecidas com beleza e precisão em pequenos teares para adornar o corpo. A arte está em suas mãos e cada vez mais desejam mostrar ao mundo a sua cultura e identidade.

Na aldeia não usam roupas, a pintura de corpo é sua vestimenta e os colares como complemento e adorno. Assim as mulheres se enfeitam e sentem-se belas.

A cada palavra, vamos entendendo o respeito que existe pela natureza, pelo ser humano, por tudo que nasce e que é vivo. O quanto o respeito pelo seu conhecimento e do outro é importante e como juntos vão tomando decisões para o bem de todos. Aos poucos as mulheres foram conversando com os homens e se posicionando e aos poucos os homens foram entendendo e aceitando.

  

O dia continua com as oficinas de grafismos no estúdio In Totum e juntam-se a nós Thay e Watatakalu. O estúdio era pura cor e energia, por todos os cantos uma peça da arte indígena. E, dois grupos de pessoas estavam prontos para vivenciar esta arte. Ceramistas, artistas, designers, estudantes, todos fazedores artesanais de seus caminhos, tínhamos em comum o respeito pelo povo indígena, a valorização de sua cultura.

Os grafismos são um presente para os espíritos da floresta, quando desenhado com genipapo no corpo do outro é pura troca de energia entre as duas pessoas.

A cada linha, a linguagem das imagens e os seus significados iam surgindo sobre os papéis: povo guerreiro, resistência, beleza, vida longa, força representados pelos grafismos da floresta, do peixe, borboleta, caminho da formiga e a cobra.

  

Por algumas horas, aprendemos um pouco sobre esta arte e seus significados, sobre rituais, sobre histórias da floresta. Encontramos pessoas, trocamos saberes, nos conhecemos para além de onde estamos.

No final da noite, saímos do estúdio felizes, com o coração cheio de vida, a alma ilumina, agradecidos pelo encontro, pelo presente que a vida nos deu.

Anna, Iamony, Thay, Watatakalu e Elisa que abriu esta porta, muito obrigada. Estaremos sempre por aqui.

A Oficina de Grafismo Indígena aconteceu dia 31 de outubro de 2018, no Estúdio In Totum, por ocasião de uma vizita da etnia Yawalapiti à São Paulo em busca de recursos para construção de uma nova aldeia para preservação de sua cultura.

 

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!