Quanto vale o que eu faço? – sobre valorar e valorizar sua entrega pro mundo

Quando a prática autoral se torna entrega (produtos e serviços) e meio de remuneração e sustento, a questão do valor muitas vezes se torna um grande obstáculo. Olhar os muros internos e externos que emergem da questão “quanto vale o que que faço?” pode tirá-los do lugar da dúvida, do medo, do desconforto. Este texto não traz respostas prontas, nem fórmulas matemáticas para você calcular o valor do seu produto ou serviço, mas convida a exercitar o olhar e trazer mais clareza para quem está às voltas com essa questão.

Começamos com a proposta de mudar nosso ângulo de visão dos muros verticais e torná-los dois grandes planos horizontais – o plano da valorização e o plano da valoração. A pergunta do título contorna o espaço que contém esses dois planos. Mas o que sustenta cada um deles? Uma resposta rápida possível seria: o plano da valorização contém o julgamento próprio e do outro em relação ao fazer (tanto do processo quanto do resultado); já o plano da valoração diz respeito ao preço, à negociação entre oferta e procura. Essa resposta coloca a valorização num campo mais subjetivo e a valoração num campo mais objetivo. Que tal olhar mais de perto cada um desses planos?

Plano da Valorização

No dicionário, valorização é especificamente “aumento de valor ou preço”, mas aqui estamos usando essa palavra no sentido de reconhecimento do valor do fazer – tanto de quem faz quanto de quem recebe. Por isso, vemos no plano da valorização do fazer autoral e artesanal alguns pontos principais:

  •  Autoconhecimento do fazedor/artesão/artista: conhecer a si mesmo/a para saber como se colocar no mundo, utilizar de forma consciente e adequada os materiais, encontrar seu processo único e irrepetível de fazer. Para quem deseja mergulhar nesse percurso de autoconhecimento, convidamos a conhecer o nosso Caminho do Autor.
  • Construção de uma expressão que se reconhece autoral: o autoconhecimento conduz o/a artesão/ã à expressão de seu fazer autoral, permite imprimir seu estilo singular não só em seus produtos, mas no modo como comunica seu processo manual aos outros, inclusive sua autopromoção. Com isso, amplia o reconhecimento da importância de seu fazer.
  • Reconhecimento do processo como trabalho e oferta pro mundo (não apenas o produto/serviço em si): honrar seu processo criativo e produtivo permite que o/a fazedor/a se aproprie da singularidade de sua prática.
  • Relação com o outro: a valorização também passa pelos olhos dos observadores, pelo julgamento do valor ético, estético e pessoal que outras pessoas tecem sobre sua entrega pro mundo.

É neste plano que o fazedor incorpora a cultura do fazer manual, pelo olhar sobre sua relação com o fazer enquanto ser humano e ser social. O fazer que se faz no processo e autodesenvolvimento do fazedor. Como você vive a cultura do fazer manual?

Plano da Valoração

Um plano que encontra com o anterior, pois se trata tanto de atribuir valor quanto de julgar algo, mas que aqui utilizamos para refletir sobre o quê e quanto desejamos receber em troca de nossa entrega. Ou seja, quanto custa nosso esforço e atividade? Para isso, vemos como ponto de partida a clareza sobre o quanto valorizamos o processo e a entrega do nosso fazer. Mais quais outros pontos encontramos nesse plano?

  • Precificação: alguns resumiriam isso com a palavra “dinheiro”, mas fato é que a precificação envolve o que o dinheiro representa na equação. Cálculos de custos fixos e variáveis (recursos, materiais, tempo etc.), pesquisa do valor médio de produtos semelhantes no mercado, entre outros fatores da vida prática são elementos importantes para definir o valor de sua entrega pro mundo.
  • Emocionalidade: a que você dá valor como retorno? Há muitos meios de troca que podem nutrir sua relação com o fazer, e isso passa pelo que você, fazedor, dá valor ou necessita (dinheiro, aprendizado, outros materiais, produtos e serviços…). Aqui fica a reflexão: que valores perpassam o seu fazer? Por exemplo: qual o valor de um encontro, de um brilho nos olhos? Neste episódio do programa O que é um mundo feito à mão, Bia Alcântara, criadora da marca de elaborações botânicas “Meu secreto jardim amarelo”, conta o quanto um momento único, a emoção do encontro e do reconhecimento genuíno do outro pautou o valor de um de seus perfumes botânicos numa feira artesanal.
  • Relação com o outro: talvez seja este o maior ponto em comum entre os dois planos. O valor que o outro está disposto a oferecer pelo nosso fazer passa por sua apreciação, sua emocionalidade, sua urgência, sua necessidade, sua experiência com aquele produto.

É neste plano que também aparece o conceito da Economia Criativa, que propõe novas moedas de troca além do dinheiro.

O valor da entrega não se estabelece apenas no campo objetivo, racional. Ele passa pela subjetividade dos afetos que envolvem a relação conosco mesmos, com os objetos que carregam um pouco de nós e com os olhares e afetos dos olhos do mundo para aqueles objetos.

Que a clareza dos planos da valorização e da valoração deixem de ser muros e passem, na horizontalidade, a ser degraus para entregas congruentes de si pro mundo. Que possamos reconhecer a importância do quanto de nós entregamos nos objetos que produzimos e que essa entrega de si seja feita com alegria e receba o retorno que nos nutrir de acordo com o que nos sustenta.

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Escrita artesanal por Carolina Messias com Ciça Costa e Bruno Andreoni

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!