A vida é cíclica e, por isso, estamos sempre lidando com recomeços, seja na vida pessoal ou profissional. O fazer manual nos acompanha em todas as fases desses ciclos, basta estarmos abertos e atentos às novas oportunidades!
Trabalho manual: um recomeço
O prefixo “re” está muito associado ao trabalho manual:
- Recomeço;
- Reinventar;
- Ressignificar;
- Redescobrir;
- Reconstruir
- Recriar;
- Reutilizar.
Tudo isso porque o fazer manual carrega o potencial de criação que todos temos, e ele, assim como nós, a vida e tudo que nos rodeia, está sempre em constante mudança. Isso permite que tudo seja adaptado, alterado, aprimorado, direcionado.
Esse processo nos impacta diferentemente de acordo com a perspectiva adotada – às vezes, conseguimos encará-lo como uma oportunidade de fazer diferente ou melhor; por outro lado, às vezes, vemos o caminho da impermanência com dificuldade, com apego ao que já é conhecido, familiar e habitual.
Da lama, nasce o lótus
Muitas vezes, são os problemas, desafios e dificuldades que forçam uma mudança, que pode, por sua vez, ampliar horizontes.
A crise financeira, econômica e social que afeta não apenas o Brasil, mas o mundo todo, por exemplo, é um grande catalisador de mudanças.
Muitas pessoas perderam empregos, investimentos ou sentiram necessidade de mudar radicalmente de vida.
Algumas pessoas, que trabalhavam no mesmo lugar ou com a mesma função há muitos anos, talvez tenham se visto “sem chão”, sentindo-se perdidas ou desamparadas.
E essas sensações e sentimentos não deveriam ser ignorados, por mais difíceis que sejam, eles também fazem parte do processo de mudança.
Porém, o que acontece é que, após esses momentos de fechamento de ciclos, há um recomeço: essas mesmas pessoas precisaram olhar para outras direções, diferentes daquelas que já estavam acostumadas a ver. E, ao fazer isso, descobriram (ou redescobriram) novos interesses, novas habilidades, novas oportunidades.
Um funcionário de uma grande empresa resolveu usar o dinheiro da demissão para abrir um foodtruck e vender hambúrgueres artesanais; outra pessoa começou a ver vídeos de artesanato no YouTube em seu tempo livre, decidiu arriscar-se e já tem o seu próprio canal; um outro reuniu alguns amigos, criou uma comunidade focada em permacultura e agora possui vários projetos na área de sustentabilidade; e outra decidiu fazer um bazar com roupas e acessórios que não usava mais para conseguir um dinheiro extra e, agora, organiza feiras e bazares em sua comunidade, além de dar palestras sobre consumo consciente.
História manual (e real) do recomeço pelo fazer manual
Bruna Castro, oficineira do Festival do Fazer, conta que sua paixão pelos trabalhos artesanais vem desde criança, e o fazer manual esteve presente em diversas etapas de sua vida:
“Lembro que, entre meus brinquedos favoritos, estavam um tear e uma maquininha de tricô circular, que fazia lindos vestidos tubinhos para as minhas bonecas. Aos 7 anos de idade, aprendi a costura manual e usava meias velhas para fazer roupas de Barbie.
Nunca vou esquecer a sensação maravilhosa de fazer o primeiro shorts para ela, as costuras estavam feias e retorcidas, mas aquilo me mostrou que eu era capaz de criar qualquer coisa com as mãos. Aos 8, aprendi o crochê com a minha bisavó e passava o dia inteiro inventando acessórios com as correntinhas.
Aos 10, aprendi a costurar na máquina, foi um momento mágico que me deixou claro que aquele era meu caminho e, aos 12, iniciei a jornada do bordado com o ponto cruz.”
Aos poucos, ela foi percebendo e usando os trabalhos manuais como uma forma de terapia, para acalmar sua ansiedade:
“Sempre fui muito ansiosa e o que me acalmava na adolescência era o artesanato. Fui capaz de passar tardes inteiras criando roupas, bordando ou fazendo bijuterias. Quando fiz 15 anos não quis ganhar uma joia como grande parte das minhas amigas, escolhi uma máquina de costura.
Minha primeira Singer, que uso com carinho até hoje. Com ela meu limite era o céu. Minha ansiedade sumia entre tecidos e aviamentos, pois eu passava as tardes trancada no quarto criando roupas para sair com os amigos”.
Com a vida adulta, responsabilidades e mudanças de vida, passou a ter menos tempo para se dedicar ao fazer manual.
Isso teve um impacto, pois acabou mostrando a importância das criações artesanais em sua vida, desencadeando um recomeço:
“Notei que o fazer manual agia como uma meditação, aquele período em que eu não pensava muito, mas relaxava a mente e o corpo. Foi aí que muitas coisas começaram a mudar, percebi com mais clareza meus erros e defeitos e entendi com mais firmeza o que precisava transformar para que as coisas fluíssem de uma forma mais orgânica.
Foi nesse período de mudanças que decidi fazer uma limpeza energética no guarda-roupa, me livrando de tudo que não fazia mais sentido. E então veio o estalo! Após 5 sacos enormes de roupas e mais 20 pares de sapatos praticamente novos, descobri que tudo o que eu criticava na moda e me levou àquela desilusão estava ali, no meu armário.
Nesse contexto, criei o Desguarda Roupa, um projeto social de moda que trabalha o reaproveitamento de peças, reduzindo o lixo em aterros e repensando nossa relação com o consumo. Vi a necessidade de voltar pro mundo da moda e falar sobre o assunto, porque se eu, que trabalhava com isso, caí na armadilha cruel do consumo desenfreado e impensado, imagina quem está fora desse mercado?
De repente, tudo fez sentido e consegui unir meu amor pelo fazer manual com a moda, buscando um jeito de tornar o mundo um lugar mais humano e consciente, onde as pessoas possam se autoconhecer através do trabalho manual.”
Cada um tem seu tempo, cada um está em um momento de sua jornada e cada um tem um propósito de vida. Saber lidar com mudanças é um aprendizado para a vida toda – e o fazer manual nos acompanha em todas as fases, mesmo que esteja inerte momentaneamente.
Bruna irá ofereceu a oficina “Costurando Histórias“ na terceira edição do Festival o Fazer. Confira as fotos das oficinas!